A
Árvore de Josué
"Todo aquele que possui a memória
do amor
é com certeza um contador de
histórias".
Agustina
Bessa-Luís, O Manto
Desde muito pequeno que Josué gostava de
desenhar. Em casa, não faltavam tintas, lápis de cor, desenhos presos com post it pelas paredes. Uns de cores
garridas que se matizavam; outros, já com traços mais definidos, mostravam o
gosto continuado e a evolução dos gestos. A todos, o menino atribuía
significados: eram os pais, os irmãos, os avós, os primos, o rio, as árvores...
Na
família, havia o gosto pelas artes, sobretudo pela pintura e também pelo
colecionismo. Para além das ajudas familiares, desde muito cedo que as crianças
participavam em oficinas nos museus da região, vendo surgir bonitos objetos das
suas pequenas mãos e que eram motivo de orgulho para os pais e avós.
Mantinha-se a tradição e cultivava-se a beleza. O amor pela natureza também se
semeava porque muitos objetos eram produzidos a partir de folhas caídas das
árvores, de pequenos galhos secos, de raminhos de plantas aromáticas...
O
avô de Josué não era dotado para o desenho, mas entusiasta dos talentos
familiares. Colecionar postais ilustrados antigos era o seu hobby. Dizia ser uma maneira de
partilhar a arte que não sabia produzir. Muitas noites e muitos fins de semana eram
passados a organizar os postais que ocupavam várias prateleiras na sala. Enquanto
os agrupava e os incluía no sítio certo, ia contando histórias vividas nos
países e locais visitados para adquirir os seus postais, muitas vezes em feiras
de antiguidades ou lojas da especialidade.
Nas suas histórias, em
que revelava bom humor e otimismo, surgiam, por exemplo, neves da Suíça que, uma
vez, no início de uma manhã luminosa mas fria, engoliram a chave do carro, enquanto
o seu olhar e o da avó se distraíam, presos às belas e brancas paisagens das
montanhas. Com cumplicidade amorosa,
decidiram não mexer os pés e procurar a chave, convictos de que a
encontrariam se fossem persistentes e pacientes. E assim aconteceu. De repente,
a ponta de um objeto metálico pareceu brilhar. (...)
Embora
o avô não fosse muito dado a abraços ou a beijos, o seu olhar era um espaço
calmo de carinho e confiança que a todos envolvia e estimulava. Parecia olhar
mais para o que cada um tinha de bom e assim a árvore familiar ia criando
raízes mais sustentadas.
Uns
tempos antes do Natal, o rapazinho começou a pensar no presente para o avô e
logo lhe surgiu a ideia de um postal ilustrado antigo para a sua coleção.
Apesar de ajudar o avô assiduamente, apenas conhecia uma parte do espólio. Era
difícil, portanto, escolher um postal que lhe pudesse agradar e não fosse
repetido. Para além disso, seria muito caro, com certeza, ou difícil de
encontrar.
(...)
Estes são excertos de um conto de Natal que escrevi e que foi publicado, este ano, na coletânea cuja capa também partilho.
Não conheço o Josué nem o avô, mas, confesso, gostava de os conhecer.
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