segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Folheando a Velha Casa e outros dias



O amor e uma carta

Hoje, finalmente, prevê-se chuva.
Se, neste momento, o telefone tocasse ou me batessem à porta, julgo que não responderia. A menos que fosse o meu filho a ligar-me de Paris. Ou o Félix a falar de Moçambique, mas ele prefere escrever cartas à moda antiga.
Sinto-me dentro do que escrevo e leio, neste computador que abri há pouco. Será uma forma de egoísmo?
Não sei muito bem como, ocorrem-me temas que são considerados perenes, mas que assumem a forma que cada um lhes dá. O amor, por exemplo. Camões escreveu que "O amor é um fogo que arde sem se ver".
Nas obras de arte, o amor surge quase sempre como pano de fundo e, muitas vezes, revelado através de cartas.
Contudo, muitas vezes, como escreveu Fernando Pessoa, através do seu heterónimo Álvaro de Campos, "as cartas de amor são ridículas".
Ainda assim, muitas cartas ridículas se escreveram, se rasgaram, se guardaram, se desprezaram, se recordaram... Eu também as recebi e escrevi.
E interrogo-me: como será uma carta de amor sem ser ridícula? E chego à conclusão que não sei escrever uma carta de amor, porque, para tal, é necessário estar imbuído de um sentimento que afasta qualquer laivo de sensatez.
Seria eu capaz de me despojar de modo a escrevê-la? E, paradoxalmente, neste momento, sinto vontade de escrever uma carta, não sei se de amor. E logo me surgem estas palavras que junto e registo:

Escrevo-te não apenas para dizer que te amo, mas para te sentir mais próximo de mim. Estás longe, incrivelmente longe, mas, escrevendo-te, sinto que as nossas mãos se aproximam, como da última vez em que estivemos juntos.
Não sei se nascemos um para o outro, embora muitas vezes pense nisso. Há casais tão empáticos que chegam a ter semelhanças físicas. Acho isso maravilhoso. Nesse caso, poder-se-á dizer que nasceram para se encontrarem. Mesmo de forma imperfeita, sei que nos amamos. E este verbo, talvez por ser tão mal utilizado, causa-me pruridos.
Sei, contudo, que somos seres comuns que nos zangamos, que às vezes nos afastamos, mas que nos procuramos em bons e maus momentos. E que sorrimos. E que nos abraçamos. E que brindamos às coisas boas da vida. E que nos completamos como seres diferentes que somos. Raramente te digo, por palavras, que te amo, mas sabe-lo porque nasceste mais confiante do que eu. Tu repetes-mo com mais frequência porque sabes que preciso de o ouvir. E a cumplicidade é um sol necessário em todas as estações da nossa existência.
Não somos originais, mas temos a nossa singularidade que nos aproxima, senão o puzzle pessoal estaria incompleto. Conhecemos o calor das nossas mãos e dos nossos rostos quando se juntam, mesmo mantendo abertos os olhos.
Interrogo-me como é possível viver sem amor, embora o amor não viva apenas numa pessoa em especial. Talvez seja lugar comum, mas repito-o. Revela-se pelos filhos, por uma causa, pela família, por uma arte, por um trabalho, por uma casa... Tu habitas no meu pensamento, és um facilitador de todas essas formas de amor.
Falamos de tudo, ouvimo-nos, expressamos os nossos estados de alma,  partilhamos os valores que para ambos são importantes.
E, para além disso, ainda nos aconchegamos como folha que se liga amorosamente ao seu ramo.
Afinal, vou dizer-te: Amo-te, Félix.

No dia do lançamento deste meu livro,
a Ana Cardoso, minha amiga e que tão generosamente o apresentou,
disse que não concordava com o destino que dei a Félix.
Talvez por isso, nuns contos que ando a escrever,
Félix regressa. 
Oxalá a viagem seja boa!!!



 

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