domingo, 29 de julho de 2018

Folheando A Velha Casa e Outros Dias



"Os amigos" e "Uma ambulância no verão"

Há pouco mais de um mês que estou reformada, ou melhor, "reformulada", como às vezes digo em tom de brincadeira.
Se estivesse no ativo,  nesta altura já teria trabalhos e testes para corrigir. E relatórios para redigir. E atas para elaborar. E dados estatísticos para preencher. E informações para lançar na plataforma. E talvez alguma participação disciplinar. E muito mais coisas, se calhar, necessárias, mas que tiram tempo à boa preparação das aulas e ao conhecimento de muitos problemas dos alunos.
E bastante preocupante é o facto de haver jovens que não têm amigos "reais". Conheci vários.
De facto, tem-se a ideia de que todos os jovens são folgazões, mas há muitos rapazes e raparigas profundamente solitários e com o complexo de que são feios e de que  ninguém gosta deles.
As composições ou textos livres são espaços privilegiados para os alunos se exporem um pouco mais. Lembro-me de uma menina que ia sempre triste para a escola primária porque não era bonita como as outras. Outra, demasiado magra. Outra que ficava sempre para trás, nos intervalos, para poder estar sozinha e não ser gozada.
E muito comum é a dificuldade de muitos alunos exporem trabalhos em frente à turma com medo de críticas ou de chacota.
Este fenómeno poderá ter a ver com as vivências. Os espaços que muitos alunos frequentam são bastante restritos. É a escola, a casa da família ou de algum amigo e, ao fim de semana, o Centro Comercial. Nem mesmo a cidade mais próxima é conhecida.
E o mesmo acontece com muitas crianças. São inúmeras as que, apesar de o tempo estar bom e convidativo para passeios ao ar livre, ficam pelos espaços fechados de um Centro Comercial. 
Dir-se-á que há mais segurança, que não há vento, que não há sol em demasia, que não há os perigos dos carros, das bicicletas, das trotinettes... mas são referências limitadas para seres em crescimento.
Estava eu nestas cogitações, quando vi que estava a receber um e-mail da Débora. Fiquei admirada, porque, desde que concluiu o 12º, há uns três anos, nunca mais a vi nem recebi notícias dela.
Dizia que tinha escrito  um livro sobre as memórias de uma ambulância no verão, que gostava que eu o lesse e o corrigisse antes de seguir para a editora, que pretendia o original quanto antes.
Em anexo, vinha o texto com erros intermináveis de acentuação, pontuação, repetições de palavras... Meu Deus! Era necessário reescrever quase tudo.  
Em resposta, elogiei-lhe o propósito, mas disse-lhe que os meus afazeres atuais não me permitiam fazer  uma revisão  adequada como ela e o tema mereciam. Aconselhei-a a deixar passar algum tempo, a reler o texto mais tarde e, por certo, veria facilmente aspetos que é necessário corrigir. Depois dessa releitura, eu poderia ajudá-la.
Oxalá siga as minhas instruções e a editora não lhe publique o texto assim.
No entanto, fiquei na dúvida. porque num P.S., a Débora dizia que a tia, com quem sempre viveu, andava muito excitada e já tinha comprado um vestido de cerimónia para o lançamento do livro.
Valha-me Deus! E a mim, que tenho tanto respeito pelo trabalho dos bombeiros, aparece-me este texto cheio de luzinhas vermelhas a piscar, como sinal de S.O.S.
O Ega, de Os Maias, começou a escrever Memórias de um átomo e não o concluiu. A Débora começa e acaba Memórias de uma ambulância no verão, mesmo cheias de erros.
Apetecia pedir socorro ou chamar o 112!

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