É sempre assim. Quando viajo de avião e sinto turbulência, começo a falar com a pessoa do lado. O tempo passa mais depressa e oiço com menos ansiedade: "Como estamos a atravessar uma zona de turbulência, pedimos aos senhores passageiros que apertem os cintos...".
Foi o que aconteceu recentemente num regresso de Londres.
Eu vinha a ler uma revista e, ao meu lado, uma jovem dormia a bom dormir.
Que pena não me acontecer o mesmo, pensei eu.
Como o voo era da TAP, serviram "uma pequena refeição", como costumam anunciar. A minha vizinha de lugar acordou quando passou o carrinho com os alimentos. Devia ser a fome a dar horas. E, logo a seguir, outro período de turbulência. Antes que ela voltasse a dormir, eu ataquei:
- Isto está a tremer bastante, não acha?
- Nem tinha reparado, disse ela.
E, ingerindo a sandezinha de alface e fiambre, o sumo Compal, o chocolate Regina e o cafezinho, fomos falando.
Era enfermeira, trabalhava em Londres, gostava muito do que fazia, vinha a Portugal sempre que podia, não aguentava estar muito tempo sem ver a família e os amigos e o sol... Não, não pensava voltar. De maneira nenhuma. Não teria as mesmas oportunidades de trabalho.
- Pois, também por isso a minha filha emigrou. Sempre que posso e é necessário, passo uns dias em Londres para a ajudar.
A mãe também a visitava às vezes. Enquanto trabalhava, sem nada lhe pedir, a mãe arrumava a casa e fazia compras e cozinhava e lavava roupa, disse a sorrir.
Eu também sorri.
- Quase todas as mães são assim.
Um dia, quis que a mãe fosse apenas para passear e conhecer Londres. Tirou férias e foi a cicerone. A mãe adorou e ela também.
E continuámos a falar destas coisas simples mas luminosas da vida.
Veio a descida, a aterragem e a despedida.
- Muito prazer. Muitas felicidades.
- Gostei muito de a conhecer. Também para a sua filha.
Pode ser que nos encontremos de novo num avião.
Ah! Não lhe perguntei o nome. Era a enfermeira que vinha de Londres.
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