A meio da tarde, o comboio chegou à linha 1 à hora prevista. Esperava-o um numeroso grupo de turistas de meia idade. Iam começar a entrar, apressados, numa carruagem já com muitos passageiros de pé. Uma voz, de fora, fez-se ouvir:
- Este comboio não é o nosso; o nosso parte mais tarde e é só para os passageiros dos barcos.
Foi melhor assim, porque havia muita gente, o calor apertava, apesar de ser outono, e o comboio tinha poucas carruagens.
Um casal de namorados, de pé, espreitava a paisagem pela janela e estreitava os rostos; num dos bancos, uma mulher tossia sempre que falava com o marido, abrindo a boca para recolher o ar que lhe faltava. Ao seu lado, um menino dormia tranquilo com a cabeça apoiada numa mochila. As estações iam-se sucedendo.
No espaço entre duas carruagens, um grupo de homens falava de camiões, de estradas europeias, de aventuras e desventuras que vinham à baila como quem puxa raminhos de cerejas... Iam mudando ruidosamente de lugar sem saírem do mesmo espaço limitado. Dois deles seguravam um cigarro nervoso e apagado na mão, pondo-o na boca como se estivessem a fumar.
E a vozearia era mais que muita estrecortada de alguns palavrões fortes e duros como eles.
Faltando uma meia dúzia de estações para chegar ao Porto, entrou uma jovem de óculos e penteado colegiais, de calças largas pelo meio da perna, muito franzina, com ar lavado no banho dos anjos e puxando uma pequena mala de viagem.
Um dos homens disse-lhe que podia ficar ali porque o comboio ia cheio. Ela olhou-o com naturalidade, sorriu e acocorou-se no chão, junto à porta interior, levando os joelhos até à boca. E daí a nada, participava da conversa, não tão barulhenta, como se fossem todos colegas de viagem.
Os homens saíram quase todos antes de chegar ao Porto. Ficaram dois: um dos mais velhos e outro dos mais novos. O mais novo continuava com o cigarro na mão e manteve uma conversa com a rapariga sobre o preço dos cigarros em Espanha. E também da cerveja. E também dos isqueiros. Ela respondia sempre com conhecimento de causa. O mais velho acenava concordante com a cabeça. O mesmo aconteceu quando o mais novo explicou o percurso que ela devia seguir até às Antas.
Quando o comboio chegou ao Porto, a temperatura estava mais baixa. O homem mais novo acendeu o cigarro. O mais velho seguia em silêncio.
Quase me atrevo a dizer que iam a pensar que a rapariga do comboio tinha sido uma visão.
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