Já não é a primeira vez que partilho, aqui,
esta "receita".
Na verdade, nunca a fiz. Interessou-me mais pelo sabor da escrita do texto,
apesar da sua simplicidade, do que a compota em si.
Quando tiver
ameixas no meu quintal, tentarei fazê-la.
Mas, claro, não a darei à vizinha. Se
não gosta de ameixas!
Não sei se vem a propósito, mas ainda não vi cerejas à venda este ano!
Ingredientes:
500 g de ameixas frescas e maduras
Um bule de chá com açúcar
Quatro colheres, das de sopa, de rum
Algum tempo, muito afeto
Acessórios essenciais: uma cesta, ervas aromáticas, um bloco, uma caneta,
luz do Sol
Se tiver quintal, percorra-o pela manhã.
Lá pelo meio de uma manhã de Sol. Esqueça as ervas daninhas e tudo o que houver
de mais rasteiro. Os olhos devem ser levantados para além da sua cabeça, junto
das ameixoeiras. Use as duas mãos que ajudarão na procura de ameixas rijas e
maduras. Não importa a tonalidade. Podem ser brancas, rosadas ou vermelhas.
Tenha consigo uma cesta. No fundo, pode pôr hortelã-pimenta, alecrim,
manjericão, lúcia-lima, erva cidreira… Colha os frutos ainda com algumas
folhas. Utilize uma tesoura pequena de poda. Usada mas não enferrujada.
Se não tiver árvores de fruto, procure
as ameixas num mercado tradicional. Se a vendedeira quiser aldrabar no preço, é
por uma boa causa. Porém, não deixe de regatear. E de escolher os frutos bem
frescos, perfumados, coloridos.
Chegando à cozinha, ponha a cesta –
mesmo que vá ao mercado, prefira-a ao saco de plástico – sobre a mesa. Retenha
as cores e os aromas. Pode até fotografar e registar, por escrito, as suas
impressões, porque a memória muitas vezes é curta; as imagens amontoam-se,
esbatem-se, apagam-se.
Utilize um bloco que tenha comprado numa
viagem com momentos de luz e descoberta. Ponha-o sobre a mesa e vá escrevendo
frases soltas. Poderá reutilizá-las, recortando-as e colando-as no frasco.
Evite tapar os frutos.
Não desligue o telefone nem o ponha em
silêncio. Se alguém telefonar, partilhe o momento.
Lave depois as ameixas, já sem pé nem
folhas. Faça-o numa vasilha grande, sem pressa, mexendo os frutos delicada e
amorosamente.
Ao lado, tenha outra vasilha. Antiga de
preferência. Que lhe traga boas recordações de alguém que gostava de si, que se
preocupava consigo, que lhe mostrava sempre um sorriso e que também contava
histórias doces.
Misture e ajeite bem as ameixas nessa
vasilha. Sobre elas, deite devagar o chá. Use um bule que viu sobre a mesa em
dias de festa ou em momentos felizes. Cubra todas as ameixas, independentemente
da forma ou do conteúdo. Ponha a tigela num sítio fresco e tranquilo da
cozinha. Dê-lhe espaço e visibilidade. Vá à arca e procure uma toalha de estopa
ou de linho. Pode ser grossa e enrugada. Aconchegue-a sob a malga. Deixe
repousar durante a tarde e noite. Aproveite o silêncio aromatizado para
escrever mais longamente.
No dia seguinte, levante-se cedo. Abra a
janela. Espreguice-se, esquecendo que a vizinha é madrugadora e curiosa.
Já na cozinha, escorra as ameixas e
passe-as para uma compoteira transparente. O rum irá para o lume com um pouco
de açúcar e a calda que ficou. Logo que tome ponto, deite-a sobre as ameixas,
deixando macerar duas horas. Coloque a compoteira num sítio onde dê o Sol. Vá
rodando o frasco para iluminar todos os frutos e poder observá-los melhor na
sua unidade e diferença. Saboreie o momento. Guarde a cesta.
Por fim, ofereça as ervas aromáticas à
vizinha. Ela disse um dia que não gostava de ameixas.
A compota não sei, mas a receita é deliciosa.
ResponderEliminarBjs
A.V.
Este texto teve início num atelier de escrita e, apesar de simples, continuo a achar-lhe piada!
ResponderEliminarBeijinho
M.