Renoir |
Este texto resultou de um
workshop de Escrita Criativa
que a Oficina de Língua da ESG, Clube
de que faço parte,
dinamizou ontem para professores do
Agrupamento AEG1 de Gondomar.
Nós, as dinamizadoras, também
apresentámos uma proposta de texto para diferentes imagens.
Este foi o meu olhar sobre a situação
sugerida num quadro de Renoir.
E gostei particularmente destas três
horas, ao fim da tarde, em que as palavras
iam sorrindo quando ditas ou escritas
em folhas A4,
cuja brancura deu lugar ao início de
uma narrativa,
a uma página de diário, a um texto de
reflexão...
Uma professora disse no final da
sessão:
"Oh, gostava de ficar mais tempo
a escrever para continuar o meu conto!.
Felizmente há fins de tarde que se
escrevem assim!
Um barquinho de papel
É fácil recordar-me. Existem objetos e momentos que nos plantam
na memória situações vividas.
A manhã estava calma, clara e azul. O mundo parecia limpo e
organizado. As pessoas passeavam devagar numa repousada manhã de domingo.
Horrores ruidosos do terrorismo, gananciosos crimes de corrupção, gigantescos
desastres ambientais, inúmeros migrantes em desespero, multidões de
desempregados, caladas e doridas solidões... pareciam injustiças já ultrapassadas.
Na esplanada do pequeno museu, eu escutava vozes de crianças
acompanhadas e felizes; via as árvores do parque que espargiam incontáveis
perfumes, abria o folheto da exposição de pintura impressionista e saboreava
todas as cores e sensações a que tinha acesso.
Tudo decorria como numa bela pintura. As altas árvores eram
pessoas serenas que protegiam a harmonia do lugar. Os ramos, como cabelos
esvoaçantes na brisa tranquila, semeavam na relva múltiplos verdes. Os montes à
volta abraçavam o lugar, emoldurando-o.
Ao fundo, havia baloiços onde as crianças se divertiam e
se alegravam pelos sorrisos dos pais.
Bem mais perto, estendia-se um lago onde um pequeno barco à vela
deslizava com tempo e com espaço. Num plano ainda mais próximo, duas jovens
remavam descontraidamente, mas eu mal lhes via os rostos; apenas os laços dos
chapéus e os claros vestidos, cuja imagem dançava na limpidez da água.
Não, não era sonho, nem ilusão de ótica. Tudo era verdadeiro,
apresentando-se nitidamente perante todos os meus sentidos.
Tão real como a explosão medonha que, ao fim da manhã e de
repente, se fez ouvir a pouca distância.
Enquanto todos os visitantes do museu fugiam, ainda pude ver os
barcos virados no lago que não perdera, estrondosamente, a cor azul.
Infelizmente, hoje, passado algum tempo, o lago está poluído e
nele não flutua sequer um barquinho de papel.
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