domingo, 10 de abril de 2016

"E se fosse eu?"


Carta a uma avó refugiada

Com certeza que esta carta não será lida pela principal destinatária, mas envio-ta, a ti, uma avó que abraça uma neta durante uma viagem de grande dureza e precariedade. Não sei se deva dizer viagem ou fuga; migração ou deportação.
Escolhi-te por seres uma mulher muçulmana, de roupas compridas, casaco de malha já gasto, lenço na cabeça a esconder-te os cabelos que imagino lisos e negros.
Desculpa tratar-te por tu, mas também sou avó. Não te  conheço bem, mas vi-te a sair de um barco com outros refugiados de diferentes idades. Pressinto-te corajosa porque arriscaste sair do teu país onde as armas amedrontam e o terror caótica se agudiza e desespera. Não receaste que te tomassem por família de terrorista e ousaste arriscar para que a vida dos que amas não continuasse eternamente por um fio.
Fixei a tua imagem ao lado da tua filha, segurando com forte ternura a tua neta para que  nada de mal lhe aconteça, para além de todos os males que vêm atingindo o teu povo nos últimos tempos. Tantas vezes por ganância e fanatismo dos poderosos.
A tua filha transportava um saco onde imagino haver roupa, alguma comida enlatada e medicamentos. Talvez haja alguma fotografia. Tudo essencial à vida, sem qualquer excesso ou desperdício.
Gostava de ter um pouco da tua coragem, procurar-te, levar-te água limpa e roupa lavada.  Poderia juntar um creme para amaciar o rosto bonito e meigo da tua neta. Ah, e levar-lhe-ia livros de histórias para que a realidade se tornasse mais amena e menos crua. E a imaginação não morresse como tantas pessoas que viajam nos mesmos barcos em que passaste, com custo e a alto preço,  o Mediterrâneo.  E também lápis de cor e um caderno para desenhar imagens felizes e não apenas de negrura do triste desalento.
Não sei o teu nome, nem tu conheces o meu, mas quero enviar-te o meu afeto e uma firme vontade de que a minha neta e a tua possam vir a viver num mundo de paz e liberdade.
Um abraço

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