Carta a uma avó refugiada
Com
certeza que esta carta não será lida pela principal destinatária, mas envio-ta,
a ti, uma avó que abraça uma neta durante uma viagem de grande dureza e
precariedade. Não sei se deva dizer viagem ou fuga; migração ou deportação.
Escolhi-te
por seres uma mulher muçulmana, de roupas compridas, casaco de malha já gasto,
lenço na cabeça a esconder-te os cabelos que imagino lisos e negros.
Desculpa
tratar-te por tu, mas também sou avó. Não te conheço bem, mas vi-te a
sair de um barco com outros refugiados de diferentes idades. Pressinto-te
corajosa porque arriscaste sair do teu país onde as armas amedrontam e o terror
caótica se agudiza e desespera. Não receaste que te tomassem por família de
terrorista e ousaste arriscar para que a vida dos que amas não continuasse
eternamente por um fio.
Fixei
a tua imagem ao lado da tua filha, segurando com forte ternura a tua neta para
que nada de mal lhe aconteça, para além de todos os males que vêm
atingindo o teu povo nos últimos tempos. Tantas vezes por ganância e fanatismo
dos poderosos.
A
tua filha transportava um saco onde imagino haver roupa, alguma comida enlatada
e medicamentos. Talvez haja alguma fotografia. Tudo essencial à vida, sem
qualquer excesso ou desperdício.
Gostava
de ter um pouco da tua coragem, procurar-te, levar-te água limpa e roupa
lavada. Poderia juntar um creme para amaciar o rosto bonito e meigo da
tua neta. Ah, e levar-lhe-ia livros de histórias para que a realidade se
tornasse mais amena e menos crua. E a imaginação não morresse como tantas
pessoas que viajam nos mesmos barcos em que passaste, com custo e a alto
preço, o Mediterrâneo. E também lápis de cor e um caderno para
desenhar imagens felizes e não apenas de negrura do triste desalento.
Não
sei o teu nome, nem tu conheces o meu, mas quero enviar-te o meu afeto e uma
firme vontade de que a minha neta e a tua possam vir a viver num mundo de paz e
liberdade.
Um
abraço
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