terça-feira, 9 de junho de 2015

Fora dos discursos de circunstância do dia 10 de junho

CAMÓES, GRANDE CAMÕES, QUÃO SEMELHANTE...

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;


Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.


Ludibrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.


Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.


BOCAGE, in 'Rimas'



CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS

Podereis roubar-me tudo:
As ideias, as palavras, as imagens,
E também as metáforas, os temas, os motivos,
Os símbolos, e a primazia
Nas dores sofridas de uma língua nova,
No entendimento de outros, na coragem
De combater, julgar, de penetrar
Em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
Suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
Outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
Será terrível. Não só quando
Vossos netos não souberem já quem sois
Terão de me saber melhor ainda
Do que fingis que não sabeis,
Como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
Reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
Tido por meu, contado como meu,
Até mesmo aquele pouco e miserável
Que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu, E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

JORGE DE SENA - Metamorfoses


Columbano Bordalo Pinheiro

2 comentários:

  1. Víctor Aguiar e Silva diz o poema de Sena:

    https://www.youtube.com/watch?v=ogqe360XpS8

    Camões, se o ouvisse, concordaria com o que o poeta do século XX de/por si disse.

    Um bom dia de Camões e de Portugal (muito cinzento, anda este nosso país!)...
    beijinho,
    IA

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  2. Obrigada, Isaura. Não conhecia esta leitura de V:A:S., que marca bem a dureza das palavras poéticas escolhidas.
    Um beijinho
    M.

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