quinta-feira, 26 de março de 2015

Pastoral


Paul Cézanne

Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há, de certeza, duas folhas iguais.

Limbo todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
bainha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.

Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.

Nas formas presentes,
nos atos distantes,
mesmo semelhantes
são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.

Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou.

António Gedeão, Poesias Completas 
 
Uma professora de Matemática
falou deste poema a uma professora de Português que falou a outra professora
de Português que, por sua vez, falou dele a outra professora, também de Português. 
Todas elogiaram a professora de Matemática que,
 apesar de não parecer, gosta de Poesia.
E a última professora, que falou do poema, plantou-o num e-mail, 
passando a morar neste blogue  (obrigada, IAzinha)
Só falta lembrar que o autor do poema era professor de Físico-Química e plantador de árvores, cujas "folhas" todos podem colher, apesar das diferenças. Felizmente.

2 comentários:

  1. Eu muito gostaria de dizer: "É dessas que eu sou."!...
    Mas isto não é para todos. É só para uns poucos. Muito poucos. Agora temos menos um, que partiu há dois dias: um mestre ao encontro do Mestre...

    E se é certo o adágio "Rei morto, rei posto.", com poetas a coisa é um bocadinho mais lenta: leva tempo a "nascer-se" um grande poeta!

    beijinho grande e uma santa Páscoa!
    IA(zinha)

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  2. Como eu gostaria de o poder dizer!!!
    Sim, Herberto Helder deixou-nos há dias. Comecei a ouvir falar dele na Faculdade de Letras do Porto, nos finais dos anos setenta, pelo professor Pedro Barbosa. Os versos de HH soavam a estranho e as palavras do professor também. Agora compreendo algumas razões de tanta estranheza. Talvez a maior seja que ambos estavam à frente do seu tempo. O Poeta impôs-se pela sua obra; o professor talvez gostasse de dizer: "É desses que eu sou"! Será?
    Um abraço e uma doce Páscoa!
    M.

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