domingo, 11 de janeiro de 2015

A velha do quiosque



Sempre vendera jornais. Não se via a fazer outra coisa. Desde muito nova que punha a tiracolo a saca que dizia JORNAL DE NOTÍCIAS. Parecia que já lhe conhecia o ombro, porque logo se ajustava, sem ser necessário puxar para a frente ou para o lado.
Como o tempo não era de ir muito à escola, andava pelas portas a vender os jornais. Conhecia os hábitos dos clientes: o jornal que compravam, os que lhe davam uma moedita para o mealheiro, os que lhe ofereciam uma bolacha, os que, sisudos, nem a olhavam...
Cresceu, casou-se, teve filhos, mas a profissão não mudou. Como as pernas iam pesando, foi ficando no mesmo sítio, junto um quiosque. Era conhecida pela velha do quiosque, mas o quiosque não lhe pertencia. Apenas o espaço próximo durante algumas horas da manhã.
Apesar da concorrência, manteve-se a harmonia durante vários anos. Cada um tinha os seus clientes, sem guerra nem guerrilha.
 Um dia, o quiosque não abriu, mantendo-se fechado durante meses. O dono havia morrido e os herdeiros não chegavam a acordo sobre a reabertura. Houve concurso. A velha do quiosque concorreu, mas a candidatura não foi aceite: não teria fundos suficientes para manter o negócio.
Em breve, o quiosque seria reaberto. Antes desse dia, a preocupação maior dos novos donos  foi afastar o pequeno negócio que, durante a manhã, era concorrente.  A velha foi obrigada a retirar-se uns metros. Porém,  não bastava. Teve de passar para o outro lado da rua, mas ainda era visível. Escondeu-se atrás de uma paragem de autocarro, mas ainda ficava perto. Procurou a cobertura de uma porta de prédio, mas os clientes não a viam...
Hoje, a velha do quiosque estava ao sol, do outro lado da rua. Junto dela, um pequenino monte de jornais. Aos poucos clientes que a procuravam vendia o jornal e desejava bom domingo.

Sem comentários:

Enviar um comentário