O número de
chegada
Nem sei como começar: Era uma vez… Um dia… Há muitos
anos… Quando eu era pequena… No tempo em que os animais não falavam mas
existiam há milhões de anos…
O melhor é não aplicar nenhuma destas fórmulas e ir
diretamente àquilo que quero contar. Pode ser?
Então, lá vai.
Havia um rapaz, chamado João, que não gostava de ser
número um, preferindo ser sempre o segundo. Também não gostava de ocupar outros
lugares mais recuados. Que mania!
Nos jogos com os seis companheiros, quando ficava em
primeiro lugar, começava a chorar, amuava, zangava-se e dizia que não jogava
mais. O mesmo se passava se mais do que um lhe ficasse à frente.
Ora, no tempo em que se passou esta história, vocês,
adolescentes, ainda não eram nascidos. Nem
sei se os vossos pais já tinham visto a luz do dia. Talvez os vossos avós praticassem os mesmos passatempos de João.
Depois de chegar da escola primária, se não tivessem
que ajudar a família, saíam para a rua e aí brincavam até à noite ou até a fome
apertar.
Os meninos corriam o arco, desciam os caminhos em
carros de guias que eles próprios construíam; jogavam futebol com bolas que faziam
com meias velhas; para além de maroteiras, como atirar pedras, assustando as
raparigas.
Um dia, resolveram fazer um jogo, mesmo junto à casa
de João, aproveitando uma pequena encosta que o inverno tinha coberto de erva
macia e verde. O jogo consistia em rebolar e o que chegasse mais depressa ao
fundo seria o vencedor.
Prepararam a linha de partida, deitando-se em fila,
na horizontal e, quando o mais velho deu o sinal, logo começaram a descer,
tentando imprimir cada vez mais velocidade.
Enquanto os outros deslizavam, João parou a meio do
percurso e ficou a olhar o céu que
estava sardinhento e que levava sempre a mãe a acrescentar: “Céu sardinhento,
ou chuva ou vento”.
Quando a prova terminou, todos correram encosta
acima para ver o que se passava com o João que, num instante, se levantou e
desatou a correr como uma lebre.
- João, João, ó João...
Quanto mais eles chamavam, mais ele corria. Parecia
que seres invisíveis o empurravam.
Ouvindo a gritaria, a mãe de João veio à porta saber
o que se passava, se algum deles tinha
batido no filho ou se ele tinha agredido alguém.
Que não, senhora Lurdes, ele é que de repente ficou
esquisito, parou a meio do jogo e desatou a correr sem ninguém saber porque sim
ou porque não. Tinham de o apanhar para saber o que se passava. Até já, senhora
Lurdes.
Isto foi explicado pelo Dimas que era um pouco mais
crescido e de quem as mães gostavam e a quem pediam para tomar conta dos mais
pequenos e não os deixar fazer asneiras.
Os seis continuavam a correr atrás do companheiro
que não parava nem parecia abrandar a correria.
De repente, João foi contra uma pedra do íngreme
caminho, inclinou-se todo para a frente, vacilou e caiu estatelado no chão.
- Ó João, que te deu? Pareces tolo, Por que é que
estás a fugir?
João parecia não querer responder.
- Estás mudo, ou quê?
João continuava sem nada dizer. Até que perguntou:
- Quem ganhou o jogo há bocado?
- Fui eu, disse o Leonel.
- E em segundo quem ficou, perguntou também João.
- Foi o teu primo, o António.
- Diz lá o que foi, por que é que correste tanto,
como se estivesses a fugir, perguntaram alguns dos companheiros quase ao mesmo
tempo.
- Eu não queria ser o primeiro e, quando parei, já
ia à frente.
- Deixa-te disso que ficas maluco. Vamos começar uma
corrida todos ao mesmo tempo?
- Eu não quero, já disse, gritou, um pouco alterado.
Naquele momento, a mãe de João, vindo à janela,
chamou, crispada:
- Ó João, anda cá para ires a um recado.
Nisto, João começou a correr e, como se houvesse uma
grelha de partida, todos o acompanharam. Quando chegaram ao largo, estava a mãe
à espera de João. Para fazer a vontade à mãe, nem reparou que chegava em
primeiro lugar.
Meu filho, disse a mãe, até que em fim chegaste em
primeiro lugar e sem chorar nem ficar chateado. E acrescentou: “como prémio,
podes continuar a brincar. Eu vou, por ti, à venda comprar o pão”.
E todos recomeçaram novas brincadeiras.
Muito perto, um grupo de meninas jogava à macaca,
outro saltava às cordas, outro brincava às casinhas com bonecas.
João passou por elas, a correr o arco, caindo este, em
cheio, na segunda casa do jogo da macaca.
Alicinha, naquele momento, saltava para não calcar a
casa onde estava a patela. Precisamente onde caiu o arco. João ficou a olhá-lo
e também Alicinha, muito bonita e ousada, pelo que era conhecida por
maria-rapaz. Ela não deixava nada por dizer e logo quase cantarolou, “És um
João mimalho e chorão”!
João pegou no arco e, com a guia bem colocada, logo
o pôs a rolar.
E uma ideia lhe entrou na cabeça: no próximo jogo,
seria o primeiro e, se não fosse, seria o segundo, ou terceiro, ou quarto ou
quinto, ou sexto, ou sétimo. Que mal tinha?
Ou até o oitavo, se entrasse Alicinha e visse que
ela queria ganhar.
Ai, eu gostei muito desta história com números dentro!...
ResponderEliminarLevou-me a um tempo de infância um bocadinho antes do meu... Não conheci, na época, nenhum João, porque todos queriam ser o número um, mas uma boa parte contentava-se em ser o dois ou o três e por aí adiante. O jogo era o principal objetivo. Não éramos tão competitivos e, por isso, talvez a nossa infância fosse mais espontânea e criativa!
Deixo aqui uma canção infantil, que os meus pequenos apreciam. Não tem números dentro, mas tem ditongos...
É animada e anima.
https://www.youtube.com/watch?v=wnggnrlAfg0&index=6&list=RDdnvQzkxw9Jg
um beijinho e um excelente domingo
Isaura
Obrigada, Isaura.
ResponderEliminarPor acaso conheci de perto um menino - uns anitos mais velho do que eu - que gostava sempre de ficar em segundo lugar nas brincadeiras. Soube da história há uns anos, mas ninguém me soube explicar porquê (agora ter-me-ia dado jeito!).
Quanto às brincadeiras, eram as da minha infância!
Obrigada também pela música. Vou ouvi-la.
beijinhos e bom Sol!
M.