6 – Novos rumos
Após a partida do comboio, Domingos
regressou a casa. descendo, cabisbaixo, a rua das Flores. Abriu a porta e
entrou em silêncio. Passando pelo gato, sem o ver sequer, foi até à varanda e
ficou, por momentos, a olhar a casa de Flor, agora de janelas bem fechadas.
Entre os vidros e as portadas, viam-se as cortinas de linho bordadas; a varanda
sem as plantas aromáticas que, minutos antes da partida, haviam passado para a
casa de Domingos para que nem a sede nem o abandono as secassem.
Domingos foi buscar água e regou-as.
Queria que, quando Flor regressasse, tudo estivesse viçoso. E que as aromáticas
dessem gosto à sua comida que ela confecionava em pequenos tachinhos com muito
uso, mas luzidios.
Pensativo, olhou o rio. Que passava
como as suas lembranças. No dia anterior, pensaria que, a essa hora, estaria
bem perto do jardim da Cordoaria, no seu passeio matinal, com Flor a seu lado,
a falar das notícias e dos livros que andavam a ler.
Porém, via-se de novo sozinho, sem
ninguém tão íntimo com quem pudesse compartilhar os seus sentimentos. Flor
havia sido uma luz que se abrira para ele, mas que, como outras luzes, se tinha
afastado. Queria pensar que a separação seria temporária, mas era assaltado
pela ideia recorrente de que a felicidade, para ele, nunca seria duradoira.
Pensou em fazer uma caminhada. Talvez
ir até ao café da Porta do Olival tomar um pingo e comer a nata do costume,
mas, se fosse lá sozinho, o caminho era curto e tudo lhe pareceria amargamente
solitário. Não, iria andar a pé, mas noutra direção. A caminhada teria de ser
longa, para libertar melhor a tensão e aliviar a mente. Por que não ir até à
Praça Velasquez? Iria ao café Bom Dia. Descansaria um pouco e regressaria pela
hora do almoço. À tarde, poderia ir, de novo, ao alfarrabista da Misericórdia,
como gostava de dizer quando se referia à livraria Chaminé da Mota.
Mas a vida não é uma página em que se
possa prever, ao certo, o número de palavras.
(Continua, com Domingos a revisitar
outros dias do passado. E não só).
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