Ontem, uma amiga
perguntou-me se eu já tinha lido "Montevideu", de João Ricardo Pedro,
conto incluído na coletânea Contos Capitais (parsifal). Li-o depois. A narrativa termina com esta frase:
"A palavra buganvília enche-me a boca".
Lembrei-me, então, de uma
pequena e despretensiosa história que escrevi há tempos e que agora partilho de
novo.
É que "a palavra
buganvília enche-me” ... os olhos!
A ameixoeira que não gostava de estar só
Era uma vez uma ameixoeira que morava num quintal muito acolhedor. A
vizinhança era muito variada: duas macieiras, abóboras, um limoeiro,
margaridas, camélias, azáleas, arruda, erva-cidreira, manjericão, limonete,
hipericão, salsa…
A ameixoeira dava ameixas muito vermelhinhas e aveludadas. Sumarentas e
perfumadas. Os donos da casa, tanto as crianças como os adultos, gostavam de as
colher e saborear mesmo junto à árvore que era a casa onde as ameixas moravam.
Claro que estavam expostas ao vento, à chuva, ao sol, mas era assim que
gostavam de viver. Não gostavam era de cair ao chão porque podiam ser pisadas.
Um dia, as folhas da ameixoeira começaram a secar. De princípio, era uma aqui,
outra ali, mas, em pouco tempo, ficaram todas murchas, escuras e sem viço.
Bastava uma pequena brisa para as fazer cair ao chão. Qualquer aragem as
desprendia da árvore e atirava-as por terra.
Ora, junto da ameixoeira, vivia uma buganvília de cor bem vermelha. No
centro de cada flor, raiavam estames amarelinhos, parecendo alegres e mágicas
luzes acesas.
Assim, enquanto a ameixoeira secava, a buganvília crescia exuberante.
Os ramos da buganvília pareciam braços a estender-se generosamente em
diferentes direcções e foram agarrar-se à velha ameixoeira que parecia
desfalecer de tão sequinha e fraquinha, apoiando-a.
Às vezes, estas plantas até são um bocadinho intrometidas porque espreitam
às janelas, saltam os muros, entram pelas portas…
São como pessoas muito bonitas, que dão alegria e beleza aos lugares, mas
que precisam que alguém lhes oriente o rumo.
Uma manhã, a dona da casa foi ao quintal, como acontecia várias vezes ao
dia. A senhora olhava sempre com muita atenção, porque, para ela, cada flor,
arbusto ou árvore tinham uma história como qualquer pessoa. Foi então que notou
algo de estranho, porque já se tinha convencido que a ameixoeira nunca mais
teria folhas verdinhas ou frutos madurinhos.
Mas… o que via ela? Uns rebentos
bem mimosos e verdinhos.
Afastou uns raminhos da buganvília com a mão para verificar se não eram as
folhas da trepadeira que tinham invadido a ameixoeira, mesmo sem querer. Porém,
as folhinhas renascidas eram mesmo dela. Pelo aspecto, por certo a árvore até
daria fruto no próximo ano e o tronco estava macio e forte.
A dona da casa logo chamou a família para ver a ameixoeira renascida, com a
ajuda da buganvília.
E o neto, um menino de cabelo forte aos caracóis, veio a correr, olhou para
a avó e disse muito contente:
- Ó vovó, se calhar a ameixoeira não gostava de estar sozinha! A buganvília
foi amiga mesmo.
A avó sorriu-lhe, concordando com ele. Já imaginava a compota vermelhinha
de ameixas que faria no ano seguinte para a família e amigos.
De uma coisa não se podia esquecer: pôr na mesa um raminho de buganvília ao
lado da compota reluzente e saborosa.
A propósito, ou talvez sim, aqui vai uma sugestão de pesquisa de uma outra forma de combate ao isolamento: "Crochet Social - Coimbra".
ResponderEliminarBjs.
A.V.
Uma das vantagens (quase tudo tem vantagens e desvantagens) da crise é que abriu portas a iniciativas com criatividade e poucos custos, como será esta, com certeza.
EliminarUm abraço
M.
As palavras são como as cerejas. Os contos, também. É tão bom quando esta ligação das coisas acontece.
ResponderEliminarGostei muito. Especialmente quando falas da beleza que alegra os lugares. E do rumo, meu Deus, o rumo!
Beijinhos e, porque hoje é um dia especial, para ti, um abraço em forma de 9.
Clementina
Obrigada, Clemie.
ResponderEliminarDe facto, vejo cada vez mais os contos como uma forma de alegrar tempos e lugares. E também uma boa ajuda para encontrar o rumo essencial.
Um abraço
M.