À Dolores
A
janela abria sobre o mar
o azul
marulhava na sala
encapelado
de luz branca
espraiava-se
levemente
no
jarrão com girassóis
que
amarelavam o chão e
os
pequeninos miosótis
no
papel de parede…
na
cadeira de vime
o
menino brincava no colo
imenso
do pai
estendia
os bracinhos
roliços
rolantes
no rosto no pescoço
do pai
e o pai
brincava com o menino
no colo
escondia
a chupeta
no
bolso da camisa
envolvendo-a
na
brancura do lenço
e o
menino
órfão
da chupeta
chorava
então o
pai retirava o lenço
como se
mágico fosse
e do
bolso
saltava
a chupeta
como
coelho liberto
da
cartola
e o
menino ria
dobrando
o riso
(talvez
mesmo quadruplicando)
à
ressuscitada chupeta…
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e o pai
e o menino
brincavam
tanta
vez a chupeta
desapareceu
e reapareceu
que o
menino percebeu:
o lenço
era apenas
cortina
que
afastada
oferecia
aos olhos
o que
sempre lá era…
depois
o menino cresceu
e
saltou do colo
pequeno
do pai
para o
colo enorme da vida
onde
havia outras chupetas
a
descobrir…
até que
veio
arrebatador
fora do
tempo
o
bicho-papão
o colo
de uma negra-noite
onde o
pai
desapareceu
uma
noite sem cortina
para
afastar…
porém
o
homem-ainda-menino
sabia
que o pai era ali
no
oculto colo da negra-noite negra
e
aquilo era apenas um novo jogo
que ele
só poderia jogar
quando
essa mesma noite
o
levasse
para
brincar…
IA, maio 2014
Obrigada, IAzinha. Os (teus) poemas são
colo onde as palavras aconchegam e
sorriem. Haverá uma
mulher-eternamente-menina
tomando-os, leve, "para
brincar".
Um beijinho
M.
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