Há dias em que,
percorrendo os corredores da escola, me interrogo sobre as condições de trabalho
de professores e funcionários, no que respeita ao ruído: muito estridente nos
intervalos e nos espaços de convívio. Parafraseando Fernando Pessoa, diria que,
para muitos, manter um pouco mais de silêncio é estar doente da voz.
Muitos jovens
habituaram-se a comunicar aos gritos e aos empurrões.
Há dias em que
me interrogo sobre o meu papel na sala de aula. Não nas minhas aulas, felizmente, mas, sobretudo, nas aulas de substituição
em que docente e alunos são desconhecidos e partilham um espaço de comum desagrado.
Para além de ser lícita a pretensão de acompanhamento, em pleno, dos alunos, corrobora-se,
mais uma vez, a ideia de que os direitos são assumidos como mais abundantes do
que os deveres.
Se o sorriso do
professor fosse observado à saída de uma aula de substituição, muitas vezes não
passaria de amarelo. Leva-se um filme sobre problemas atuais, não interessa;
pergunta-se se há dúvidas, não existem; sugere-se um jogo de língua portuguesa,
é seca; propõe-se a redação de um pequeno texto, é chato; dialoga-se sobre um
tema, dá sono…
A este propósito, vem-me à memória uma
situação em que uma professora foi chamada para uma aula de substituição, no 8º
ano. Entrando na sala, deparou com os miúdos em grande algazarra. Calma e
amigavelmente, mandou-os sentar e retirar as mochilas de cima da mesa para que todos
se pudessem ver melhor. Deu algumas sugestões de atividades, mas viu enfado na
maioria. Pediu, então, sugestões, mas ouviu-se uma só: jogos de computador, o
que não foi aceite.
Como era o
primeiro dia de outono, a professora, olhando pela janela, começou a dialogar
sobre esta estação. Uma parte da turma aderiu, mas a outra: Podemos sair mais
cedo? Posso ouvir música? Podemos ir agora para os computadores?... Por que é
que temos de estar aqui se o professor ainda não foi colocado? Quando é que vem
esse professor?...
Após alguns minutos de adesão de alguns e
resistência de muitos mais, a professora propôs a redação de um pequeno texto
sobre o outono (sempre era uma maneira de os acalmar), aplicando muito do que
havia sido dito e muito mais que poderiam saber ou imaginar.
Escreveu no quadro
as instruções para que a realização do trabalho fosse mais clara. Poderiam
fazer ilustrações, porque a imagem, muitas vezes, enriquece as palavras. Acrescentou
que corrigiria os textos e dá-los-ia a conhecer à professora de Português – de
quem eles tinham dito gostar muito. Durante a realização do trabalho, a professora
ia ajudando, respondendo a questões, dando sugestões…
Finda esta aula
de substituição, a professora começou a ler os textos produzidos. Uns com
ilustrações a cores – bem bonitos, dizia ela com os seus botões – outros feitos
um bocadito à pressa – o que se compreende, pensava ela magnânima… Depois,
deparou com um grupinho de textos, de estrutura semelhante, gizados,
provavelmente em grupo. Pôde, então, ler: O outono é feio, feio, feio, feio,
feio, feio, feio, feio… O verão é lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo,
lindo, lindo…. Era uma vez um caçador feio, feio, feio, feio, feio, feio, feio,
feio… Depois, apareceu outro caçador lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo…
Gostando de ser
positiva, a professora pôs um comentário em cada trabalho. Nestes casos, ficou
escrito: «Usa as palavras de modo a não tornar o mundo mais triste». A
professora de Português da turma, ao ler os trabalhos e as anotações, disse à
colega, com humor: poderias ter acrescentado: …triste, triste, triste, triste,
triste, triste….
Tal como eu,
muitos professores dizem: gosto de dar as minhas aulas, mas o pior é o resto.
Sim, o pior é o resto.
De facto, há
dias em que penso: Esta Escola … não é para velhos! E será para os novos?
Há tempos escrevi este texto. Foi publicado no Terrear.
Hoje lembrei-me dele quando vi uma notícia sobre um professor que foi agredido.
O que relato não é violento, apenas um pouco feio, feio, feio, feio, feio...
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