Ingredientes:
500 g de ameixas frescas e maduras
Um bule de chá com açúcar
Quatro colheres, das de sopa, de rum
Algum tempo, muito afeto
Acessórios essenciais: uma cesta, ervas aromáticas, um bloco, uma caneta, luz do Sol
Se tiver quintal, percorra-o pela manhã. Lá pelo meio de uma manhã de Ssl. Esqueça as ervas daninhas e tudo o que houver de mais rasteiro. Os olhos devem ser levantados para além da sua cabeça, junto das ameixoeiras. Use as duas mãos que ajudarão na procura de ameixas rijas e maduras. Não importa a tonalidade. Podem ser brancas, rosadas ou vermelhas. Tenha consigo uma cesta. No fundo, pode pôr hortelã-pimenta, alecrim, manjericão, lúcia-lima, erva cidreira… Colha os frutos ainda com algumas folhas. Utilize uma tesoura pequena de poda. Usada mas não enferrujada.
Se não tiver árvores de fruto, ou se não for a época procure as ameixas num mercado tradicional. Se a vendedeira quiser aldrabar no preço, é por uma boa causa. Porém, não deixe de regatear. E de escolher os frutos bem frescos, perfumados, coloridos.
Chegando à cozinha, ponha a cesta – mesmo que vá ao mercado, prefira-a ao saco de plástico – sobre a mesa. Retenha as cores e os aromas. Pode até fotografar e registar, por escrito, as suas impressões, porque a memória muitas vezes é curta; as imagens amontoam-se, esbatem-se, apagam-se.
Utilize um bloco que tenha comprado numa viagem ou pequeno passeio com momentos de luz e descoberta. Ponha-o sobre a mesa e vá escrevendo frases soltas. Poderá reutilizá-las, recortando-as e colando-as no frasco. Evite tapar os frutos.
Não desligue o telefone nem o ponha em silêncio. Se alguém telefonar, partilhe o momento.
Lave depois as ameixas, já sem pé nem folhas. Faça-o numa vasilha grande, sem pressa, mexendo os frutos delicada e amorosamente.
Ao lado, tenha outra vasilha. Antiga de preferência. Que lhe traga boas recordações de alguém que gostava de si, que se preocupava consigo, que lhe mostrava sempre um sorriso e que também contava histórias doces.
Misture e ajeite bem as ameixas nessa vasilha. Sobre elas, deite devagar o chá. Use um bule que viu sobre a mesa em dias de festa ou em momentos felizes. Cubra todas as ameixas, independentemente da forma ou do conteúdo. Ponha a tigela num sítio fresco e tranquilo da cozinha. Dê-lhe espaço e visibilidade. Vá à arca e procure uma toalha de estopa ou de linho. Pode ser grossa e enrugada. Aconchegue-a sob a malga. Deixe repousar durante a tarde e noite. Aproveite o silêncio aromatizado para escrever mais longamente.
No dia seguinte, levante-se cedo. Abra a janela. Espreguice-se, esquecendo que a vizinha é madrugadora e curiosa.
Já na cozinha, escorra as ameixas e passe-as para uma compoteira transparente. O rum irá para o lume com um pouco de açúcar e a calda que ficou. Logo que tome ponto, deite-a sobre as ameixas, deixando macerar duas horas. Coloque a compoteira num sítio onde dê o Sol. Vá rodando o frasco para iluminar todos os frutos e poder observá-los melhor na sua unidade e diferença. Saboreie o momento. Guarde a cesta.
Por fim, ofereça as ervas aromáticas à vizinha. Ela disse um dia que não gostava de ameixas.
Tema sugerido em Ateliê de escrita, em Serralves, com o escritor Mário Cláudio
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