quinta-feira, 29 de setembro de 2022
Fazer horas
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Os mimos podem ser em qualquer altura
Texto meu publicado na página 36
Como era eu quando nasci?
- Mãe, como era eu quando nasci?
- Filha, eras compridinha e sossegada. Já mais crescida, sentavas-te no pedal da máquina de costura a fazer roupinha para as bonecas.
- Mãe, em que dia da semana vim ao mundo?
- Julho ia muito quente e conheceste a luz do dia a meio da tarde de um domingo, filha, de muitas dores. Aliviou-mas a parteira, a senhora Ana Restiva. Quando chegou a nossa casa, a água já estava quente e a bacia no quarto com uma toalha ao lado. Depois de deitar uma colher de açúcar na água, lavou-te e deu-te a beber um pouco dessa água:
'Bebe, minha menina, água de cu lavado, para não correres o fado'.
- Isso fê-la sorrir, mãe?
- Filha, a vida era dura e nem a graças achava graça. Tínhamos de ir buscar a água à fonte, lavar a roupa ao ribeiro... A tua irmã era muito pequenina e, passado um ano, nasceu o teu irmão Manuel, que só viveu uns dias. Chorei muito. A gente não ia ao médico como agora e havia muitas doenças.
- Todas as noites, mãe, o procurávamos no céu estrelado. Escolhíamos a estrela mais brilhante e dizíamos que era ele a sorrir.
- Adormecia-vos com a cantiga que a minha mãe nos cantava e quase caía de cansaço:
'Dorme, dorme, meu menino, que a mãezinha logo vem, foi lavar os teus paninhos à ribeira de Belém'.
- Mãe, muitas mulheres da família eram tão sérias. 'Muito riso, pouco siso', repetiam.
- Filha, a vida era dura, já te disse.
- Mas muitas vizinhas falavam alto e davam gargalhadas.
- E trabalhavam tanto. E levavam tanta pancada dos maridos.
- Algumas batiam muito nos filhos.
- E também nas outras mulheres, quando se zangavam.
- Elas gostariam era de bater em quem as agredia em casa. Agora compreendo o riso forte para sustentarem o siso. Parece-me vê-las e ouvi-las entre as ruínas das casas onde moravam.
- Diziam palavrões em todas as frases.
- Não lhes oiço os palavrões, mãe, mas pressinto-lhes perguntas que nunca fizeram por desconhecerem o amoroso sossego e um tempo sereno para elas próprias, mesmo em dias longos de verão.
Mãe, a vida é tão breve e tantas vezes tão dura!
domingo, 18 de setembro de 2022
Coisas de final de domingo
Pois, hoje é domingo (até parece novidade!) e está calor. Muito calor. Na semana passada, comprei 'novidades' para plantar. E lá vim eu toda contente com os molhinhos de alho francês, beterraba, couve-flor, brócolo, etc. Já está tudo plantado em carreirinhos. No horto, disseram-me, perante uma pergunta minha se teria sucesso na plantação: Isto agora vem tudo. Mas logo veio um alerta: Mas é preciso tratar, é claro.
E o melhor tratamento agora seria regar, mas sempre ouvi que o melhor é fazê-lo de manhã cedo, pela fresca (gosto muito desta expressão). Para mais a poupança da água é cada vez mais urgente. Porém, não sei se conseguirei levantar-me tão cedo, embora me levante sempre cedo. Se não o fizer, eu sei que é mais um dia em que as plantas novas passarão sede de morte, o que lhes pode ser fatal e à minha vontade de as ver crescer.
Logo de manhã cedo fui à padaria/confeitaria, comprei roca - que nos sabe tão bem aos domingos - e não resisti a croissant para a minha mãe. Ela sempre gostou destes mimos com açúcar, onde, talvez, veja também afeto.
Como ainda não eram oito da manhã, havia pouca gente, talvez umas três mesas ocupadas. Numa das mesas estava uma mulher cheia de carnes (não gosto da palavra gorda) que enchia a mão com um pastel que, acompanhado com uma meia de leite, a encheria de prazer. Talvez o primeiro prazer do dia ou, até, o único prazer do dia. Olhei, se calhar, de forma indiscreta, e ela acusou o olhar. Desviei logo os olhos, enquanto a menina perguntava: E a menina? Nem que a menina deste lado do balcão pudesse ser avó da dita menina.
Ao sair com os sacos, senti o ar ainda fresco da manhã. Olhei o céu que logo me lembrou - céu sardinhento ou é chuva ou é vento. Mas nem uma coisa nem outra, porque até no céu há aparências que iludem.
Neste momento, oiço o meu neto a brincar e a palrar. Tem dezassete meses, está muito engraçado e exige muita atenção porque faz asneiras próprias da idade.
As hortaliças da horta, se chover ou se as regar, darão boas sopas para ele e para nós.
Amanhã tenho mesmo de me levantar ainda mais cedo.
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
Tanta realeza! God save us!
As notícias que tenho visto e ouvido têm sido em modo zapping, mas, sempre que ligo a televisão, seja qual for a estação, lá está a realeza. Já não há paciência. Deus nos salve e não só à rainha e agora ao rei, porque isto de rei morto rei posto não fica só no provérbio.
As imagens da rainha e da realeza vêm de Londres, ou da Escócia, ou dos países em que a coroa inglesa ainda é soberana, etc. Para não falar de países em que há comunidades do Reino Unido e das quais os microfones sedentos se abeiram, como é o caso de Portugal.
Muitos especialistas da realeza têm estado em ação e a causa monárquica tem saído da sombra. O D. Duarte Pio - que tanta gente imita de forma tão humorística - também tem falado da família real e do regime a que estão ligados. Comentadores políticos também têm intervindo assiduamente e jornalistas muito conhecidos fazem as suas reportagens in loco, não esquecendo que dar voz às pessoas anónimas que prestam homenagem à rainha também é relevante e agrada a quem ouve e a quem vê as notícias. E são grandes as multidões que depositam flores, brinquedos, desenhos, mensagens nos locais com muitas marcas da rainha. Se querem e têm tempo livre, estarão no seu direito. Eu não teria essa paciência, mas cada um é como cada qual.
Apesar de todo o clima criado à volta da morte da monarca, custa-me a aceitar que a grande maioria dos jornalistas se vista de luto. Julgo até ter ouvido que Isabel II era a rainha de todos nós! Há um culto que se generaliza, mas que, de repente, pode também desaparecer. Poucos referem traços negativos da realeza como a imensa fortuna acumulada, práticas de imperialismo, etc. Privilegia-se o conto de fadas. Todos nós precisamos de beleza, mas os contos de fadas podem variar.
Talvez vivamos tempos de fenómenos coletivos que dão que pensar.
Sábado passado, houve uma grande festa em Queen's Park - já prevista e não cancelada. Felizmente. No final, a multidão que lá se reuniu cantou o hino God save the king. Tudo bem. Para mais, quem canta seu mal espanta.
O funeral da soberana será daqui a uma semana. Até lá, muito pormenor do presente e do passado será repetido à exaustão nos meios de comunicação social. Já cansa, mesmo só fazendo zapping. Valha-nos Deus!
sexta-feira, 9 de setembro de 2022
Morreu a rainha e a coroa já espera o rei
Nunca fui muito de monarquias nem de grandes poderes herdados sem ser por mérito ou eleição. No entanto, dou valor à rainha Isabel II, sobretudo pela persistência, coerência e amor pela vida. Ela teve o privilégio de ter uma existência longa e de ser muito apreciada no seu país e pelo mundo fora.
Quando eu soube da morte da rainha, estava com a minha mãe e não tive coragem de lhe dizer. Nascida no mesmo ano que a monarca - 1926 - via nela uma das figuras da terra mais admiradas, sobretudo pelas notícias, muitas delas vindas do passado longínquo. Isabel II foi sempre um ídolo para a minha mãe.
Neste momento, já deve saber do falecimento de que toda a gente fala e em breve vou saber as suas impressões. Vai-me dizer de certeza que, atendendo à idade, o mesmo fim está para lhe acontecer. Eu, por mim vez, vou repetir que nunca se sabe e que na nossa família alguns partiram bem cedo. Como gosto sempre de amenizar, lá virá aquela de que chegará pelo menos aos cem.
Voltando ao assunto que ocupa por estes dias todos os meios de comunicação social, às vezes interrogo-me sobre o interesse da monarquia para um país e o que encontro é sobretudo a importância dos negócios e do emprego para muita gente. Para além deste lado mais prosaico, a vida real, considerada de sonho e recheada dos mais belos e dispendiosos adereços, assume uma dimensão mágica na vida de muitas pessoas. Se essa dimensão não existir, desta forma ou doutra, a vida fica mais triste. Se tal acontecer, que a festa continue, mas que as despesas pagas por tantos cidadãos sejam reduzidas ou cessem, assim como os privilégios nas contas da realeza.
Tenho lido que muitos elementos da família real britânica contribuem, com trabalho, para que quem precisa possa viver melhor, na área social, desportiva, artística, etc. Ainda bem que tal acontece porque têm posses, tempo e influência, embora o invólucro luxuoso dessas personagens mediáticas seja o que costuma chamar mais a atenção, pela ilusão que alimenta.
Ontem a rainha morreu num palácio na Escócia, aonde rumou a família mais chegada da monarca, para despedida e homenagem bem merecidas. Por nascimento - e também por mérito, neste caso, acho eu - , ela teve acesso a bens, como a natureza, dos quais pôde usufruir plenamente. Contudo, viveu muitos desgostos, por erros graves de familiares. Parece que foi estoica ao ter de os enfrentar como corrupção, violência sexual, etc.
Que a rainha descanse em paz.
Quanto ao rei, finalmente terá a sua coroa. Com ou sem espinhos, como noutros regimes políticos.
terça-feira, 6 de setembro de 2022
Ontem gostei de ouvir a chuva a cair
Há tanto tempo que tal não acontecia. A chuva dos últimos tempos não tem passado de orvalhadas. Ontem à noite, porém, ouvia-se o ruído bom da chuva a cair.
Hoje, logo de manhã, fui ver o efeito da chuva nas plantas, se a terra dos vasos estava molhada, etc. Com pena minha, havia ainda muitos espaços secos. Bastaram folhas mais largas para a água da chuva não lhes chegar.
Vejo agora que as previsões são de sol. Não me importava nada que fosse de pouca dura e mais longa fosse a chuva. Tal como tanta gente.
Ah, quando a chuva voltar, vou pôr um balde ou bacia para a aparar. Regará, pelo menos, as plantas que também precisam de beber.
segunda-feira, 5 de setembro de 2022
Ana Luísa Amaral - uma tília bem merecida
Ontem, domingo, passei uma boa parte da tarde na Feira do Livro do Porto. Ana Luísa Amaral é a autora homenageada, decisão já tomada antes da sua morte.
E como acredito que uma boa homenagem é ler a obra dos autores, comprei dois livros da poeta. A seguir, partilho os poemas da contracapa de cada um desses livros.
Já fui à Feira do Livro muitas vezes, mas, assim, foi a primeira vez!
A Editorial Novembro, que publicou As fadas do bosque e das estórias, convidou-nos, a mim como autora do texto, e à Cristina Pinto como ilustradora, para estarmos presentes ontem, entre as 18 e as 19 h, no stand 88/89 da livraria Convergência - na Feira do Livro do Porto. Não sabíamos como ia correr, porque isto de se ser 'ilustre desconhecido' é sempre uma incógnita.
Porém, confesso que gostei muito da experiência e, pelo que conversámos no regresso, a Cristina Pinto também. Para além da presença de familiares, o que soube muito bem, houve pessoas que pararam, se interessaram pela história e pelas ilustrações e fizeram perguntas. E ficou-me o ar de encantamento de algumas crianças e adultos, que não conhecíamos, segurando um marcador, uma fadinha, para além do livro com um desenho feito na hora na página da dedicatória. Vendemos uma meia dúzia de exemplares - o que, no contexto, foi bastante bom. Como foi bom ver uma menina, com ar curioso e feliz, quando lhe oferecemos um marcador e fadinhas de vários tamanhos querendo ela saber como se faziam, mesmo sem comprar o livro.
sexta-feira, 2 de setembro de 2022
Ilusão/desilusão
A menina foi aos Estúdios do Harry Potter, em Londres, e saiu de lá muito desiludida: afinal, a magia presente nos livros e filmes não era magia verdadeira, era fabricada. Foi penosa a descoberta. Ao ouvi-la, a mãe interrogou-se se não tinha sido melhor terem deixado a visita para muito mais tarde. E ficou desiludida consigo própria pela opção.
E como a desilusão até nas cerejas existe, lembrou-se do que tinha ouvido dizer a alguém muito próximo há longos anos e com séria aspereza: Desiludiste-me.
Era das piores críticas que se podia ouvir.
Enquanto jantavam, a menina e a mãe, cada uma à sua maneira, pensavam na desilusão mais recente. A menina porque era a primeira vez que via a sua verdade interrompida; a mãe porque comparava a desilusão à fria e indesejada solidão.
No final da refeição, a menina falou, já não sei a que propósito, do Pai Natal, em quem sempre tinha acreditado. E em quem continuava a crer.
A mãe sorriu e nada disse. Deixaria as palavras para quando a desilusão chegasse mais veloz do que um trenó ou de qualquer truque mágico do Harry Potter.
Só não sabia era quando.