domingo, 31 de julho de 2016

Uma questão de cor?

Há muito tempo, ouvi um professor universitário, especialista em Linguística, referir que se recusava dizer "vinho verde" quando ia a um restaurante, uma vez que era do Norte. Preferia dizer "binho berde". Os alunos que assistiam à conferência fixaram a afirmação e, de vez em quando, lá vinham eles com a referência ao "binho berde", o que era um bom pretexto para ouvirem falar da variação e mudança a nível linguístico, ou seja, a variação tem a ver com a pronúncia ou outras diferenças vocabulares que emergem das diversas regiões e a mudança diz respeito à evolução da língua com a introdução, por exemplo, de novos vocábulos ou expressões, etc.

Como o vinho verde é bastante apreciado, e também por pessoas fora de Portugal, um familiar de portugueses, chegando a Portugal, logo quis comprar o referido vinho. Como não conhecia bem o produto, viu no rótulo que era vinho verde e comprou. Para um almoço de família, levou uma das garrafas e, antes do almoço, apressou-se a abri-la para ir provando o vinho e dando-o a provar também.
Deitou um pouco no copo e estranhou a cor. Logo perguntou: 
- O vinho verde também pode ser vermelho? 
Houve alguns risos, enquanto alguém lhe explicava o sentido de vinho verde.
 E, por certo, que também o brasileiro, durante a explicação,  ouviu dizer "binho berde", que num era bermelho mas tinto, carago!

domingo, 24 de julho de 2016

Li e reli - em domingo quente e repousado

 Na sua crónica da Revista do Expresso, de 16 de julho, 
à qual deu o título "O verbo repousar",
José Tolentino de Mendonça escreve:
"Mas o repouso, o verdadeiro repouso, é uma daquelas experiências
que nos abrem ao espantoso espetáculo da vida.
Esse que comparece no poema de Emily Dickinson":

"Como se eu pedisse uma simples Esmola,
E na minha mão maravilhada
Um Estrangeiro depusesse um reino,
E eu ficasse de boca aberta -
Como se perguntasse ao Oriente
Se tem uma Manhã para me dar -
E ele abrindo os seus Diques de púrpura,
Me despedaçasse com a Madrugada!"


Emily Dickinson


1830-1886

Happy End ??

AOS MEUS ALUNOS DO 12º 1 E 12º 3 da ESG
Bom dia, meninos, ou Bom dia a todos – eram as saudações habituais.
Às vezes, não começava logo a aula porque havia mochilas ainda por abrir, conversas que continuavam mesmo que mais rápidas, nem todos estavam sentados, um ou outro tinha-se esquecido do manual, um ou outro pedia uma caneta, um ou outro vinha falar comigo pelas mais diversas razões…
E assim se passaram três anos. Chegaram à sala de aula ainda mais meninos, no décimo ano, e concluíram o 12º já quase adultos. Durante os três anos, houve paixões, ilusões, desilusões, meigas palavras olhadas e sorridentes, palavras frias em olhar desviado, sonhos partilhados, segredos incontidos …
Sonhos  estridentes de quem sempre ouviu elogios pela graça e beleza física; mais silenciosos de quem se habituou a sentir-se menos bafejado pela natureza; apenas pressentidos de quem tudo parecia guardar; de quem sorria muito mas que às vezes chegava ou partia de rosto fechado para a caixa das lágrimas não se abrir…
Ó professora, ando baralhada, não sei que curso hei de escolher. Ajude-me. Isto é muito complicado.
E tantas insistências: atenção, meninos, erros de pontuação, ortográficos ou de acentuação cada um desconta um ponto em exame e olhem que os erros sintáticos descontam dois. E os argumentos têm de mostrar, de forma clara, que vocês têm consciência do mundo à vossa volta. Concentrem-se, organizem o vosso tempo e estudem mostrando o que valem…
Tantas e diferentes reações fui ouvindo a propósito, por exemplo, das obras estudadas: “Adorei o Memorial do Convento. É mesmo fixe. Li-o em quatro dias”. “Nunca li um livro. Eu tenho os resumos”. “Afinal, estou a perceber e a gostar”. “Demora muito tempo a ler e tenho de estudar para o teste”. “Ainda não comecei, mas você vai ver que vou ler” (Não digas você!! Como deves dizer??)
Meninos, os exames estão à porta, não se preocupem tanto com a Festa de Finalistas. Há tempo para tudo.
E chegou a noite tão esperada do baile de Finalistas. Ao fim da tarde, iam chegando à quinta como príncipes e princesas de contos de encantar. Obrigada, foi a minha avó que fez o meu vestido. Era da minha mãe; só o mandei arranjar. Tive de comprar outro, porque o que eu tinha encomendado não chegou a tempo. Obrigada, também gosto muito e as pulseiras foram feitas pela minha mãe. Tenho os pés a doer, mas não quero tirar os sapatos…
E logo a seguir os exames. Não se preocupe, professora, vou tirar vinte!!
Pouco tempo depois: oh, estou triste, contava ter mais, correu-me tão bem! Estou contente, mas vou tentar subir na segunda fase! Nem contava ter tanto! Acabei o 12º ano que era o que eu queria! Tive positiva, afinal pus algumas vírgulas no lugar! Correu bem, já estava a contar com boa nota!…
Sim, meninos, de uma maneira geral, estou contente com o vosso desempenho. Claro que queria ainda melhores notas. No entanto, as duas turmas ficaram acima da média nacional. Parabéns e, de certeza, que reconhecem/reconhecerão que vale(u) a pena o esforço. Vocês foram as últimas turmas que ajudei a preparar para exame. Obrigada a todos pelo happy end que me proporcionaram.
Um grande xi-coração e que o futuro vos traga muitas alegrias.

sábado, 23 de julho de 2016

Carrossel

Quando olho a minha neta
Vida nova parece começar

Após dezenas de anos
Sempre sempre a trabalhar

Desejo o essencial
E bastante tranquilidade
Sem muita da correria
De discutível validade

Os vídeos infantis
E também tantas canções
Não sabia que me trariam
Tão calmas emoções

E os livros tão bonitos
Com palavras necessárias
E os desenhos e cores
De um mundo de formas várias


O soninho e o choro
Tudo parece natural
E ajudam a perceber
O que é fundamental

Tudo nisto a Clarinha
Parece ter um papel:
Fazer a vida rodar
Como mágico carrossel!

À exceção de Clarinha

Lembrou-se de uma Clarinha da sua infância. Tinha rosto redondinho, muito claro, tal como era o cabelo aos caracóis.
Clarinha morava numa casa onde cresciam rosas de muitas cores. Nunca brincava sozinha no jardim. Acompanhava-a sempre uma empregada que envergava um vestido azul e um avental, também azul, aos quadradinhos. A sua função era impedir que Clarinha se picasse nos espinhos das rosas ou que caísse para não ferir os joelhinhos de pele tão clara e macia. Também lhe ajeitava sempre o chapéu  para que o sol não a molestasse.
Com as amigas, a mãe de Clarinha repetia e repetia o seu nome, no diminutivo, mas que muito lhe aumentava as palavras que lhe saíam do coração.
Hoje, o jardim de Clarinha ainda continua, talvez com menos flores. Há muito que Clarinha saiu de casa, porque cresceu mais do que as rosas do seu jardim e ganhou asas como os pássaros que, enternecida, olhava pela janela.
Clarinha vive agora numa cidade fria do Norte. Nos aniversários dos pais, oferece-lhes sempre um ramo de rosas. Diz que são as suas flores de eleição. Como chega quase à noite e parte logo de manhã, nem repara que as do jardim têm mais cor e perfume.
De vez em quando, vem uma velhinha muito velhinha visitar os pais de Clarinha, também já muito velhinhos. É a empregada de antigamente e que agora se veste quase sempre de escuro. Tomam chá nas velhas e fininhas chávenas de porcelana e nunca falam do passado. À exceção de Clarinha.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Verão!

Seria hediondo fotografá-los. Porém, a beleza captada não o seria.  A cena, para mim, não era habitual. Se calhar, é comum, mas nunca a tinha visto na realidade, nem pintada em quadro, nem escrita em poema.
Os dois descansavam numa rua movimentada de Londres, onde passavam ruidosos e vibrantes turistas. Como se o efémero feliz se tornasse mais duradouro!
Eram duas pessoas; não sei se dois homens ou um homem e uma mulher.  Os dois, alheados dos demais, pareciam dormir. Um estava estendido no chão, com a cabeça no colo do outro. Uma das mãos, ladeando o rosto, segurava, firme, a mão do seu par.
Uma cena carinhosa - não fosse o infortúnio de serem dois sem-abrigo. Apesar da tocada ligação numa tarde quente de um domingo de verão em Londres.
Seria hediondo fotografá-los. A beleza captada talvez não o fosse!

Palavras diferentes

A Clarinha ainda não fala
E ouve línguas diferentes
O que vai sendo normal
Nas nossas modernas mentes

O papá diz water
A mamã diz água
O papá diz goodbye
A mãe, adeus sempre com mágoa

O papá diz soup
A mamã diz sopinha
O papá  lembra let's go to bed
A mamã: são horas da caminha

O papá conta histórias
E vai dizendo look
A mãe aponta para o livro
A que o pai chama book

O papá canta a song
A mamã acha bonita a canção
O papá diz heart
E a mamã coração

A mamã fica contente
Com os dentinhos da Clarinha
E o papá diz: good teeth
Lavando-lhe a carinha

E como falará Clarinha
Quando vier ao nosso país?
Será sempre uma riqueza
Como é grande a beleza
Quando larga é a raiz!


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Bela oração

Igreja St James em West Hampstead


A Clarinha gosta de música
E a concertos ela vai
Lá vê outros bebés
Com a nani, a mãe ou o pai

E para além dos instrumentos
Que peças pequeninas tocam
Os músicos contam histórias
 E os meninos brincam, ouvem ou choram

Tudo parece natural
E todos estão à vontade
Porque a cultura é normal
E começa em tenra idade

Os concertos em igrejas
Que às crianças dão a mão
Criam hábitos musicais
O que é uma bela oração!

sábado, 9 de julho de 2016

Histórias da Clarinha - os olhos

Os olhos da Clarinha
São mesmo da cor do céu
Não quando está enevoado
Mas quando se pinta de azul
Como quadro abençoado

E ficam sempre bem atentos
Perante a beleza do mundo
Às vezes parece que pensam
E fitam com olhar profundo

Quando o soninho vem
No colo da avó ou dos papás
Logo emerge a vontade
Que no mundo haja mais paz

E tal como janelinhas
Com soninho vão fechando
E quem olha a Clarinha
Também parece sonhando!

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Histórias da Clarinha - o morango

Quando a Clarinha
Come um moranguinho
A sua boquinha pequenina
Parece de um passarinho

Um pequeno passarinho
Que está sempre a depenicar
O vermelho moranguinho
Que dá gosto ver saborear

E quando foge dos dedinhos
E cai na roupa ou cadeirinha
Logo o procura a Clarinha
Com os seus pequenos dedinhos

E vai mostrando alegria
E também satisfação
Enquanto o moranguinho escorre
Na sua pequenina mão!

Histórias da Clarinha. - os livros

A Clarinha come livros
e começa a roê-los pelos cantinhos
Gosta deles de papel
E que sejam bem durinhos

E a avó diz à Clarinha
Que os livros não são para comer
Mas as histórias bem bonitas
Como é bom ouvi-las ler

E a Clarinha parece perguntar
Embora nada saiba dizer:
Se os meus papás devoram livros
Por que razão não  os posso comer?!

Jardim ou canteiro: eis a questão

Mrs Chloe tinha uma casa
Perto de Londres com um jardim
E nele morava uma roseira
Que tinha espinhos mas não era ruim

No jardim havia cadeiras
Para conviver e conversar
Mas nunca viram ninguém
Que nelas se viesse sentar

Cercavam o jardim arbustos
Que cresciam e cresciam
Pareciam quatro paredes
E o vizinhos nada viam

E ter uma mesa sempre só
No meio de um bonito jardim
Era um crime de lesa-majestade
Para a roseira e para mim

E assim o pé de roseira
Que sozinho no jardim vivia
Dizia que preferia viver em canteiro
A  florir em jardim sem companhia!

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O homem que escolhia o banco nos parques

Só ficava em casa nos dias de muita chuva. Nos outros, saía sempre de manhã, caminhava um pouco, comprava uma sanduíche para o almoço e dirigia-se a um parque. Os espaços verdes e arborizados não faltavam em Londres, cidade que considerava sua, pois já lá vivia há mais de quarenta anos. Tinha saído da Irlanda e nunca mais lá tinha voltado. Os dinheiros escasseavam cada vez mais e também a família se foi afastando. Ou de forma definitiva ou de modo incómodo para restabelecer qualquer reencontro.
Habituara-se a passar sozinho a maior parte dos seus dias. E das noites também. Vivia numas águas- furtadas e ficava sempre a olhar o céu até de madrugada através da claraboia.Depois adormecia e a noite parecia passar mais depressa.
Quando saía pela manhã, o dia já ia quase a meio.  Todos os dias escolhia um parque diferente para almoçar. Ficava a olhar os estudantes vindos dos diversos continentes e que comiam alimentos com cheiros exóticos a que já se tinha habituado; os pares de namorados que aproximavam os corpos e sorriam; as pessoas que circulavam sempre a falar ao telemóvel...
Tirava a sanduíche do saco, Dele fazia também sair um jornal e ali ficava longo tempo. E a escolha do banco obedecia sempre a um critério: sentava-se perto de pessoas aparentemente felizes. Ouvia-as falar, sorrir, contar pequenas peripêcias de que saíam sempre vitoriosas. A felicidade dos outros reduzia o seu solitårio infortúnio.
Num dos últimos dias, sentou-se no banco onde  conversava um casal. Ela, carinhosamente, embalava o bebé num carrinho para que não acordasse antes do final da sesta habitual. Falavam das árvorres de Londres cujos nomes andavam a tentar aprender e a reconhecer para mais tarde ensinarem ao filho. Bom motivo para o velho se manter sentado perto do casal.
Também em tempos tinha tentado aprender o nome das árvores de Londres, mas desistira, já nem se lembrava da razão.
Quando o bebé acordou, o casal levantou-se  e partiu, não sem antes dizer um rápido Bye.
No dia seguinte, ao contrário do que era habitual, o velho irlandês não mudou de parque para almoçar. Queria confirmar  o nome das árvores que no dia anterior tinha aprendido. E que tinha escrito no velho jornal. E estava convicto de que não ia desistir. Tal como da vontade de ver o céu noturno através da claraboia da sua casa.