quarta-feira, 27 de maio de 2020

Conversa sem abraço desconfinado

- Mãe, há tanto tempo não te dou um abraço!
- Pois, filha, é um dos males desta pandemia.
- Mas isto há de mudar, mãe!
- Assim o espero e confio que sim.
- Agora é que vejo como era bom quando nos podíamos abraçar.
- Muitas vezes só damos valor às coisas importantes quando as perdemos.
- Os abraços não estão perdidos.
- Mas é tão longa essa quarentena!

terça-feira, 26 de maio de 2020

A ameixoeira que não gostava de estar só


Há uns tempos, fui a casa de uma amiga. Dando uma volta pelo jardim e quintal, 
contou-me a história de uma ameixoeira renascida.
Dias depois, surgiu-me, então, esta pequena narrativa que agora partilho de novo 
(a primeira vez foi aqui, em julho de 2011). 
Obrigada, C.

Por convite do Clube das  histórias,  este texto será partilhado em breve 
e poderá chegar a muitas crianças que, por razões económicas, não estão habituadas a ouvir histórias.
Que bom seria que nenhuma criança se sentisse só!


A ameixoeira que não gostava de estar só
Era uma vez uma ameixoeira que morava num quintal muito acolhedor. A vizinhança era muito variada: duas macieiras, três pés de abóbora, um limoeiro, margaridas, camélias, azáleas, arruda, erva-cidreira, manjericão, lúcia-lima, hipericão…
A ameixoeira dava frutos muito vermelhinhos. Ameixas escurinhas e aveludadas. Sumarentas e perfumadas. A família gostava de as colher e saborear junto à árvore que era a casa onde as ameixas moravam. Claro que estavam expostas ao vento, à chuva, ao sol, mas era assim que, naturalmente, desejavam viver. Só não gostavam de cair ao chão já podres ou secas, porque podiam ser pisadas sem ninguém as apreciar nem saborear. Se bem que, quando caíam, ainda tinham a serventia de estrumar a terra, ajudando a que, no ano seguinte, novos frutos e plantas se desenvolvessem.

Um dia, as folhas da ameixoeira começaram a secar. De princípio, era uma aqui, outra ali, mas, em pouco tempo, ficaram todas murchas, escuras e sem viço. Bastava uma pequena brisa para as fazer cair ao chão. Qualquer aragem as desprendia da árvore e atirava-as para a terra.
No ano seguinte, o mais certo era a ameixoeira não dar frutos. Era como se uma grave doença lhe roubasse a vida, tirando-lhe, aos poucos, a seiva e a força.
Ora, junto da ameixoeira, vivia uma buganvília de cor bem vermelha. No centro de cada flor, raiavam estames amarelinhos, parecendo alegres e mágicas luzes acesas.
Separava-as apenas um ou dois metros - a ameixoeira que secava e a buganvília que crescia viçosa.
Como se sabe, as buganvílias estendem os seus ramos apoiando-se nos suportes que estão próximos e que as ajudam a trepar. Assim aconteceu.
Os ramos pareciam braços a estender-se em várias direções. Não como as pernas do polvo que se agarram ao solo com escondido disfarce para não ser notada a sua presença.
Os ramos da buganvília crescem sempre com a mesma cor e aos olhos de toda a gente, embelezando os recantos onde vivem.
Às vezes são um bocadinho intrometidas porque espreitam às janelas, saltam os muros, entram pelas portas… São como pessoas muito bonitas, que dão alegria e beleza aos lugares, mas como também são uma força da natureza, precisam que alguém lhes oriente o rumo.

Era assim o quintal onde a nossa buganvília crescia em todas as direções. Um dos ramos foi ter direitinho  à velha ameixoeira que parecia desfalecer de tão sequinha e fraquinha.
Um ramo da buganvília foi ao encontro da árvore raquítica e outro braço – digamos assim – encostou-se ao tronco, apoiando-o.
Com o tempo, os ramos deram origem a outros ramos e pareciam gostar daquele amparo que encontravam na velhinha ameixoeira que, em silêncio e quase escondidinha, ia recebendo renovada energia.
Apesar de parecerem abraçá-la, os ramos da buganvília nunca a taparam, para que ela pudesse sempre respirar à vontade. Na verdade, a buganvília abraçava-a mas deixava sempre espaço para a ameixoeira. 
O tempo foi correndo e quem passava por lá perto só tinha olhos para a buganvília, porque a ameixoeira, quase escondida, parecia uma bengala fininha em que a formosa trepadeira se apoiava mostrando toda a sua beleza e vigor.

Um dia, a dona da casa foi ao quintal apanhar couves para a sopa e passou perto das duas árvores. Se estivesse com pressa ou a pensar em mil coisas ao mesmo tempo, nem teria reparado no que lhe saltou logo aos olhos. A ameixoeira, que parecia até então estar a desaparecer, tinha novas folhinhas verdes a crescer. Como se renascesse numa nova primavera.
A senhora olhou várias vezes com atenção, afastou uns raminhos da buganvília com a mão para verificar se não era a trepadeira que a tinha invadido, mesmo sem querer. As folhinhas renascidas eram mesmo da ameixoeira. Pelo aspeto, por certo a árvore até já daria fruto no próximo ano. Via-se também pelo tronco que estava  mais forte.

Foi então que a dona da casa, para quem cada planta tinha uma história como tem qualquer pessoas, logo chamou a família para ver a ameixoeira renascida.
E o neto, um menino de cabelo forte aos caracóis, olhou para a avó e disse:
- Ó avó, se calhar a ameixoeira não gostava de estar sozinha!
A avó sorriu-lhe e imaginou a compota vermelhinha de ameixas que faria no ano seguinte.
De uma coisa não se podia esquecer: pôr na mesa um raminho de buganvília ao lado da compota reluzente e saborosa.

Maresia à distância

Mindelo - Vila do Conde

'Acho que o quintal...'

Postal enviado pelo Clube das histórias

'Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade...'

Manoel de Barros 


segunda-feira, 25 de maio de 2020

Tanta flor no parque!


Era uma vez...



Era uma vez uma casa
Onde  vivia uma menina
A casa era bonita
Mas bastante pequenina

A menina brincava
E também muito aprendia
Gostava de matemática
E frases simples já lia

Mas sentia muita falta
De ir ao parque correr
Ver  árvores flores e pássaros
E piqueniques fazer

Mas aquele bicho-vírus
Que era um grande glutão
Andava por todo o lado
A saltar de boca em mão

Então Clarinha ficava
Em casa com os seus pais
Tinha saudades da escola
De lá brincar muito mais

- Clarinha, não desanimes
Que tudo será diferente
Vai chegar a liberdade
Para correres à vontade
Ao sol e com alegria
Depois de se ter fechado
A prisão da pandemia!


domingo, 24 de maio de 2020

Que saudades dos parques de Londres!

E ainda mais de ti, L. São lindas as fotos!


sexta-feira, 22 de maio de 2020

MIMOS DE MARÇO em maio


A Editora Lugar da Palavra/ Mimos e Livros Edições, 
tem publicado, desde 2018, coletâneas de textos poéticos sobre diferentes meses 
(abril, maio, outubro, novembro).
Desta vez, os autores falaram de março.
Devido à pandemia, só agora o livro chegou às nossas mãos.
Partilho, então, o texto que escrevi.



Março com amor e provérbios no caminho

- Um fim de semana fora. Já merecíamos, amor. Mesmo com chuva e vento.
- Em março, cada dia chove um pedaço.
- Felizmente, ainda há magnólias. Estás a vê-las, amor? E ouves os pássaros a cantar nas árvores?   
  Parecem arrulhar.
- Quando em março arrulha a perdiz, ano feliz.
- E não me podia sentir mais feliz, amor. No restaurante, teremos tempo e sossego para brindar.
-Vento de março e chuva de abril, vinho a florir.
- Amor, hoje só usas provérbios! Diz também palavras tuas!
- Com estas, sei que concordas; se forem minhas, às vezes, amuas!
- Se preferes, amor, diz-me então provérbio, ditado, rifão...
- Agora, amor, caminhemos em silêncio; mas dá-me o calor da tua mão!


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Vou pôr brincos de princesa



Hoje fui ao meu quintal
logo de manhãzinha
colher brincos de princesa
pra fazer uma surpresa
à minha neta Clarinha

Como de outras vezes
à tarde vamos falar
É tempo de confinamento
há que viver o momento
e podermos conversar

Há dias vimos imagens
da alegre Carochinha
que ao varrer a cozinha
encontrou a moedinha
e à janela se foi mostrar
pra verem como era bela
em idade de casar

Do que falaremos hoje
eu não posso adivinhar
porque com a Clarinha
ou outra qualquer criança
há sempre a esperança
de poder improvisar

Mas sei que porei os brincos
que no quintal eu colhi
e quando abrir o skype
quero ver a reação
da minha neta Clarinha
que lá no país do Brexit
Não me sai do coração


quarta-feira, 20 de maio de 2020

'Enquanto houver ventos e mar'



Praia de Mindelo - Vila do Conde, na manhã de hoje

Jorge Palma | A Gente vai Continuar

terça-feira, 19 de maio de 2020

COMPOTA DE AMEIXAS COM CHÁ E CHEIROS


 Já não é a primeira vez que partilho, aqui, esta "receita". 
Na verdade, nunca a fiz. Interessou-me mais pelo sabor da escrita do texto,
 apesar da sua simplicidade, do que a compota em si. 
Quando tiver ameixas no meu quintal, tentarei fazê-la.
Mas, claro, não a ofereço à vizinha. Se ela não gostar de ameixas.
 
Ingredientes:

500 g de ameixas frescas e maduras

Um bule de chá com açúcar

Quatro colheres, das de sopa, de rum

Algum tempo, muito afeto

Acessórios essenciais: uma cesta, ervas aromáticas, um bloco, uma caneta, luz do Sol

Se tiver quintal, percorra-o pela manhã. Lá pelo meio de uma manhã de Sol. Esqueça as ervas daninhas e tudo o que houver de mais rasteiro. Os olhos devem ser levantados para além da sua cabeça, junto das ameixoeiras. Use as duas mãos que ajudarão na procura de ameixas rijas e maduras. Não importa a tonalidade. Podem ser brancas, rosadas ou vermelhas. Tenha consigo uma cesta. No fundo, pode pôr hortelã-pimenta, alecrim, manjericão, lúcia-lima, erva cidreira… Colha os frutos ainda com algumas folhas. Utilize uma tesoura pequena de poda. Usada mas não enferrujada.
Se não tiver árvores de fruto, procure as ameixas num mercado tradicional. Se a vendedeira quiser aldrabar no preço, é por uma boa causa. Porém, não deixe de regatear. E de escolher os frutos bem frescos, perfumados, coloridos.
Chegando à cozinha, ponha a cesta – mesmo que vá ao mercado, prefira-a ao saco de plástico – sobre a mesa. Olhe com atençao as cores e os aromas. Pode até fotografar e registar, por escrito, as suas impressões, porque a memória muitas vezes é curta; as imagens amontoam-se, esbatem-se, apagam-se.
Utilize um bloco que tenha comprado numa viagem com momentos de luminosa descoberta. Ponha-o sobre a mesa e vá escrevendo frases soltas. Poderá reutilizá-las, recortando-as e colando-as no frasco. Evite tapar os frutos.
Não desligue o telefone nem o ponha em silêncio. Se alguém telefonar, partilhe o momento.
Lave depois as ameixas, já sem pé nem folhas. Faça-o numa vasilha grande, sem pressa, mexendo os frutos delicada e amorosamente.
Ao lado, tenha outra vasilha. Antiga de preferência. Que lhe traga boas recordações de alguém que gostava de si, que se preocupava consigo, que lhe mostrava sempre um sorriso e que também contava histórias doces.
Misture e ajeite bem as ameixas nessa vasilha. Sobre elas, deite devagar o chá. Use um bule que viu sobre a mesa em dias de festa ou em momentos felizes. Cubra todas as ameixas, independentemente da forma ou do conteúdo. Ponha a tigela num sítio fresco e tranquilo da cozinha. Dê-lhe espaço e visibilidade. Vá à arca e procure uma toalha de estopa ou de linho. Pode ser grossa e enrugada. Aconchegue-a sob a malga. Deixe repousar durante a tarde e a noite. Aproveite o silêncio aromatizado para escrever mais longamente.
No dia seguinte, levante-se cedo. Abra a janela. Espreguice-se, esquecendo que a vizinha é madrugadora e curiosa. 

Já na cozinha, escorra as ameixas e passe-as para uma compoteira transparente. O rum irá para o lume com um pouco de açúcar e a calda que ficou. Logo que tome ponto, deite-a sobre as ameixas, deixando macerar duas horas. Coloque a compoteira num sítio onde dê o Sol. Vá rodando o frasco para iluminar todos os frutos e poder observá-los melhor na sua unidade e diferença. Saboreie o momento. Guarde a cesta (não de esqueça de higienizar a superfície).
Por fim, ofereça ervas aromáticas à vizinha. Ela disse um dia que não gostava de ameixas.