quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Uma história (numa coletânea) de Natal


A Árvore de Josué
"Todo aquele que possui a memória do amor
é com certeza um contador de histórias".
Agustina Bessa-Luís, O Manto

Desde muito pequeno que Josué gostava de desenhar. Em casa, não faltavam tintas, lápis de cor, desenhos presos com post it pelas paredes. Uns de cores garridas que se matizavam; outros, já com traços mais definidos, mostravam o gosto continuado e a evolução dos gestos. A todos, o menino atribuía significados: eram os pais, os irmãos, os avós, os primos, o rio, as árvores...
Na família, havia o gosto pelas artes, sobretudo pela pintura e também pelo colecionismo. Para além das ajudas familiares, desde muito cedo que as crianças participavam em oficinas nos museus da região, vendo surgir bonitos objetos das suas pequenas mãos e que eram motivo de orgulho para os pais e avós. Mantinha-se a tradição e cultivava-se a beleza. O amor pela natureza também se semeava porque muitos objetos eram produzidos a partir de folhas caídas das árvores, de pequenos galhos secos, de raminhos de plantas aromáticas...
O avô de Josué não era dotado para o desenho, mas entusiasta dos talentos familiares. Colecionar postais ilustrados antigos era o seu hobby. Dizia ser uma maneira de partilhar a arte que não sabia produzir.  Muitas noites e muitos fins de semana eram passados a organizar os postais que ocupavam várias prateleiras na sala. Enquanto os agrupava e os incluía no sítio certo, ia contando histórias vividas nos países e locais visitados para adquirir os seus postais, muitas vezes em feiras de antiguidades ou lojas da especialidade.
Nas suas histórias, em que revelava bom humor e otimismo, surgiam, por exemplo, neves da Suíça que, uma vez, no início de uma manhã luminosa mas fria, engoliram a chave do carro, enquanto o seu olhar e o da avó se distraíam, presos às belas e brancas paisagens das montanhas. Com cumplicidade amorosa,  decidiram não mexer os pés e procurar a chave, convictos de que a encontrariam se fossem persistentes e pacientes. E assim aconteceu. De repente, a ponta de um objeto metálico pareceu brilhar. 

         (...)

Embora o avô não fosse muito dado a abraços ou a beijos, o seu olhar era um espaço calmo de carinho e confiança que a todos envolvia e estimulava. Parecia olhar mais para o que cada um tinha de bom e assim a árvore familiar ia criando raízes mais sustentadas.
Uns tempos antes do Natal, o rapazinho começou a pensar no presente para o avô e logo lhe surgiu a ideia de um postal ilustrado antigo para a sua coleção. Apesar de ajudar o avô assiduamente, apenas conhecia uma parte do espólio. Era difícil, portanto, escolher um postal que lhe pudesse agradar e não fosse repetido. Para além disso, seria muito caro, com certeza, ou difícil de encontrar.

(...) 

Estes são excertos de um conto de Natal que escrevi e que foi publicado, este ano, na coletânea cuja capa também partilho.
Não conheço o Josué nem o avô, mas, confesso, gostava de os conhecer.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Em Londres, uma árvore com estrelinha


Em Trafalgar Square, em frente à National Gallery, ergue-se uma árvore de Natal, vinda da Noruega, como acontece anualmente, desde 1947, como agradecimento ao povo de Londres pela ajuda durante a Segunda Guerra Mundial.
A árvore não é muito grande, mas é enorme a sua simbologia.

Com tantas e boas práticas que há no mundo, por que persiste a violência, a corrupção, a mentira, a falta de compaixão...

Há bancos e bancos, assim como memórias

No belo parque de Waterlow, nos arredores de Londres, muitos
dos seus bancos têm inscrições que marcam boas memórias 
de bons momentos lá partilhados com alguém.
Neste, por exemplo, há o desejo de que a pessoa, que o utilizava,
 continue a apreciar a vista,
que se estende calma e larga.



sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O Natal também é reutilização e criatividade



Obrigada e parabéns, Cândida, pelo trabalho que fazes com tanto carinho. Feliz Natal!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Feliz Natal e outras coisas, se calhar, esquisitas

Na rua, nas lojas, no local de trabalho, no hospital, seja onde for, nesta época, ouve-se com frequência: Bom Natal! Feliz Natal!
Acho que as tradições são importantes porque são sempre marcos de alguma redenção, apaziguamento, sorridente atenção aos outros...
Mas dizer tantas vezes Bom Natal, Se não te vir até lá, Bom Natal, Bom Natal para todos! passou a ser, na minha opinião, como Beijinhos, Beijinhos para todos, Dá beijinhos à família, Beijinhos beijinhos...
São meras formas de despedida que, de facto, valem mil vezes mais do que o esquecimento ou a indiferença, mas repetimos tantas vezes a mesma expressão, utilizamos tanto as palavras que estão mais à mão, isto é, na ponta da língua porque são as mais usadas.
Também a ideia de que "O Natal é quando o homem quiser" pode dar para muita coisa: para viver o espírito de Natal em qualquer altura do ano e não apenas nos dias 24 e 25 de dezembro, o que é ótimo; mas também pode levar à fuga constante da solidariedade porque dá trabalho e é mais exigente.
Enfim, depois de ter baralhado alguns dados, acho que se o desejo de Bom Natal se refere apenas a um dia ou dois no ano, nem valia a pena tanta ênfase, mas não me ocorre agora como substituir esses votos.
E tal acontece porque sou um comum ser humano que também repete na rua, nas lojas... seja onde for: Bom Natal! Feliz Natal!



quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Natal natural


segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Ela, o velório, o mar e tanta outra coisa

Ela veio ao velório de uma amiga comum, mesmo com custo. Tinha de vir. Por amizade antiga, duradoira e profunda. 
- Estás melhor do que da última vez que te vi. Que bom.
- Engordei um bocadinho. Detestava doces e agora só me apetece comer doces.
- E sempre o teu sorriso maravilhoso.
- Não adianta andar chateada nem andar a queixar-me a toda a hora. Quero é chatear as metástases.
- Só tu.
- Estava com tanta vontade de vir que  me esqueci dos medicamentos e devem ter a mania que são importantes porque já me estão a fazer falta.
- Levamos-te a casa quando quiseres.
- Agora estou dependente das boleias, e logo eu que era um ás do volante.
E logo uma gargalhada.
Fomos a conversar sobre as nossas vidas.
Chegámos.
- Podes parar aqui. Vou este bocadinho a pé senão tens de dar uma grande volta.
- É bonito aqui e podes ver o mar.
- Sim, tenho tudo o que é necessário: a farmácia, o mini-mercado e, sim, o mar.
- E felizmente tão perto.
- Vou vê-lo sempre que posso.
Depois de troca de palavras carinhosas, saiu do carro e percorreu o passeio devagar apoiada a uma bengala, apesar da sua ainda meia idade.
Ainda há tantas coisas boas na vida. Não me posso queixar.
Isto pensaria ela por certo. E se lesse este pequeno texto, daria outra gargalhada ao ver que o seu nome até rimava com ela.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Palavras com Natal dentro


Flores secas com romã

Tenho uma amiga que aproveita tudo que pode ser reutilizável. Em cima da mesa, tem sempre tecidos cortados, frascos com botões, fios variados...
O que eu não contava era ver flores feitas a partir de folhas que o outono atira ao chão.
Ela contou-me, com o habitual sorriso, que as viu numa rua. Estavam na cor e no ponto certo: inteiras e secas. Pensou logo numa nova função para elas.
Encheu um saco e, com elas, as suas mãos geraram flores.
E dizia-me feliz: repara como mantiveram o perfume da árvore!
Em casa, pu-las num pequeno recipiente e juntei uma romã. 
Talvez goste também do perfumado aconchego.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Maastricht - bela cidade calma


quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Amsterdão: Ao encontro de Van Gogh e não só!


Van Gogh, Gauguin, Laval: vida curta, vasta obra!



A exposição, no museu Van Gogh, era vasta. A vida dos três pintores e amigos tinha sido curta, mas haviam pintado intensamente e deixado uma Obra à Humanidade.

Charles Laval era o menos conhecido.

Uma multidão juntava-se em frente aos Girassóis de Van Gogh. De vez em quando, ouvia-se uma voz tonitruante, vinda de um homenzarrão de fato preto: No piiiictuuuures!!!

No piso da entrada, uma belíssima exposição: um grande espaço de girassóis de vidro que mudavam de cor consoante a iluminação ténue da sala. Uma obra de arte gerada por outra obra de arte. Esta, imortal.
 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Bela Amsterdam sob chuva e sobre água


Pudera, com tantos "contos"!

Ao invés de cá,  não há descontos seniores nos museus, nos transportes, etc na Holanda.
Nos museus, por exemplo, veem-se muitas pessoas à volta dos sessenta anos em trabalhos como venda de bilhetes, receção às pessoas, informações sobre as exposições... Sempre com muito bom ar e boa disposição.
De facto, não devem ser necessárias quaisquer reduções de preços, porque as condições sociais são muito boas ao longo de toda a vida. Julgo que o ordenado mínimo ronda os 1.500 euros e os preços nas lojas não são muito diferentes dos que temos nas lojas portuguesas.
Assim, pudera, com tantos "contos", para que precisam de descontos?


A rapariga do autocarro

Decidimos ir de autocarro para a estação do comboio. A paragem era mesmo em frente ao hotel. Talvez por ser manhã de domingo com o sol apenas a espreitar, esperámos uma boa meia hora, apesar de termos várias opções: o 1, o 5 ou o 10.
Estava frio. O gorro e o cachecol davam mesmo jeito até ao momento feliz de vermos os faróis do autocarro a aparecer na rua larga e ainda quase deserta. No autocarro, havia poucos passageiros. Pedimos os bilhetes ao condutor para Amsterdam Station.
- Não, não trabalho com dinheiro. Só cartão de débito ou crédito, disse, apontando o aparelho.
Já prevíamos isso e tínhamos o cartão à mão. Tentámos usá-lo das formas possíveis. Não dava de forma alguma.
- Tem funcionado sempre. Não entendo. Podemos pagar com dinheiro?
- Não vê que não trabalho com dinheiro?
- Mas a culpa não é nossa nem do cartão.
- Também não é minha.

No autocarro seguia uma rapariga com umas canadianas. Fez-nos sinal. Se quiséssemos, podia pagar os nossos bilhetes com o cartão dela e dávamos-lhe o dinheiro.
Aceitámos de imediato.

À saída, voltámos a agradecer à rapariga do autocarro: Have a very good day!

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Bicicletas em Amsterdão



O taxista que filmava os percursos

Ele tinha longa experiência de taxista em Amsterdão. E de alguns acidentes com bicicletas. Dizia que por circularem em elevado número, os ciclistas não respeitam as regras e causam danos a automóveis porque querem passar sempre em primeiro lugar. Acrescentava que, quando acontece alguma coisa, a polícia dá sempre razão aos condutores das bicicletas. Assim sendo, filma a rua por onde passa para poder provar que tem razão, se lhe rasparem o carro ou provocarem outro dano.
E isto dizia-o calmamente, seguro de que queria trabalhar em segurança.
Mas, para mim, que conhecia a Holanda pela primeira vez, achei fantástico o uso enraizado da bicicleta. A existência de vias para as bicicletas e outras para os peões são fortes sinais da qualidade de vida instituída para todas as pessoas.
O facto de o pavimento ser plano facilita muito o uso da bicicleta. Quem anda a pé tem de prestar muita atenção, porque nem sempre as bicicletas assinalam a presença com o toque da campainha. 
Mesmo que incomodem alguns, o bem que fazem à saúde dos utilizadores e do ambiente é, de certeza, incomparavelmente maior.

Um egípcio em Amsterdam

  Entrámos no táxi, porque a distância até ao hotel era longa, não tínhamos muito tempo e já havíamos percorrido uma boa parte da cidade a pé.
  O taxista usava uma boina cinzenta com bico comprido e tinha barba grisalha.
- De onde vêm?
- De Portugal. E o seu país qual é?
- Egito. Estão a gostar de Amsterdão?
- Sim, apesar do frio e da chuva miúda.
- Se cá viessem em pleno inverno, veriam então o que é frio. Hoje está bom.
- Também gosta de cá estar?
- Vim para cá aos dez anos. Aqui é trabalho, trabalho, trabalho.
- E vai ao Egito de vez em quando?
- Sim, duas ou três vezes no ano.
- Muito bem.
- Tenho necessidade de ver a minha família, os meus amigos...
- ... a sua comida.
- Claro, embora também a faça cá.
- Qual é um dos pratos típicos do Egito?

  Pega no telemóvel, procura imagens e mostra-nos uma mistura de arroz com outros ingredientes envoltos numa folha verde.
  Com pena, não compreendemos nem fixámos o nome do prato. Pelos olhos sorridentes do taxista, deve ser muito bom ou trazer-lhe boas memórias.
  Apetite para o almoço ainda não seria, porque era de manhã.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Um português em Amsterdam

Entrámos num pequeno café para o pequeno almoço. As mesas eram pequenas, havia pão escuro, sumos, ovos mexidos, omoletes,"eggcetera" (vi lá esta palavra e achei-a mesmo bem apanhada).
Escolhemos, pedimos e estávamos à espera, quando um rapaz franzino que lá trabalhava se aproxima da nossa mesa e, com ar sorridente, diz:
- Bom dia! Tudo bem?
E logo o diálogo:
- Ouviu-nos falar português, foi?
- Sim, claro. Donde vêm?
- Do Porto.
- O meu pai é de Barcelos mas nasci no Algarve.
- Gosta de cá estar?
- Não, mas ganha-se melhor. Uns 8/11 euros à hora.
- Bem bom.
- Mas pago 1.200 euros de renda num estúdio com a minha namorada.
- É caro, mas em Portugal também é caro e ganha-se menos.
- Já ouvi que sim.
- E a sua namorada é portuguesa?
- Portuguesa? Nãão. Holandesa.

Jacques Brel "Amsterdam"

Holanda - este fim de semana

Amsterdão
Maastricht

A sogra no avião

O avião vinha para o Porto, o voo era de duas horas e meia e o meu lugar num dos últimos bancos de trás. Eu levava um livro que queria acabar de ler, mas não conseguia deixar de ouvir uma conversa atrás de mim. 
Depois de vários preliminares, a conversa foi parar à sogra e os passageiros próximos ficaram a saber como ela reagia com os filhos, com as noras e com todos à sua volta. O retrato era de sogra mesmo horrível.
Quem falava, com uma voz aguda, ritmo constante e imparável, fez a radiografia da sogra que parecia viajar no avião sem nele sequer ter entrado. Naquele momento, ela poderia estar, sei lá, a cozinhar ou a comer brócolos, porque foi várias vezes repetido que, ela, a nora, detestava brócolos mas que, quando jantava em casa da sogra, havia sempre brócolos. Só para a chatear.
O diálogo, mais monólogo do que diálogo, durou umas duas horas. Eu fechei o livro e guardei-o na carteira, porque aquele zum-zum constante e estridente impedia-me de compreender e saborear as histórias que se passavam em Paris.
Só houve interrupção quando foi servida a pequena refeição, recolhido o lixo e na altura da verificação dos cintos de segurança para a descida ou aproximação à pista.
As interlocutoras eram duas hospedeiras da TAP, sentadas uma em frente à outra, na cabine, junto às casas de banho.
Nunca me soube tão bem sair de um avião.