sábado, 7 de novembro de 2015

Uma visita de estudo "normal"


Desde que vi o filme "Para-me de repente o pensamento" (de 2014) do realizador Jorge Pelicano (nascido em 1977), fiquei com mais curiosidade de visitar o Centro Hospitalar Conde Ferreira (criado em 1883), no Porto. 
Diálogos como o do Sr Abreu, sobre a vida quotidiana, com um colega, passeando sob as árvores do vasto jardim,  são inesquecíveis.
Ontem, felizmente, surgiu uma oportunidade. Acompanhei, numa visita de estudo, duas colegas, professoras de Psicologia, e duas turmas do 12º ano.
E todos pudemos ver que o trabalho que se desenvolve na Instituição revela muita dedicação, muito profissionalismo, muito amor pelos outros, muita vontade de ajudar quem precisa de tratamento mental e que, pelas mais variadas razões, perdeu a maravilha que é viver com autonomia.
 Confirmámos, na prática, que, lá, os doentes  não são vistos como "alienados", como antigamente se escrevia e dizia, mas como pessoas, com direitos e deveres, que necessitam dos cuidados adequados. E tudo feito  com a habitual e tão conhecida escassez de verbas.
Dos 320 doentes lá internados, apenas duas dezenas têm visitas. Os outros, logo a grande maioria, não falam com a família nem amigos há muito tempo. Porque estão longe, porque comunicam de maneira diferente, porque não há tempo, porque não vale a pena, porque a vida é difícil para todos, porque também há muitas solidões a percorrer, porque... porque
 
Para além do internamento, o hospital funciona como Centro de Dia e acolhe pessoas que padecem, por exemplo, da doença de  Parkinson. 
Ao longo da visita guiada, ficámos a saber que na Instituição, ligada à Misericórdia, trabalharam grandes nomes da Medicina, como Egas Moniz, Prémio Nobel, nomeadamente na execução de perícias.
E lá estiveram internadas pessoas como um filho do escritor Camilo Castelo Branco, o poeta Ângelo de Lima (que escreveu na revista modernista Orpheu, coordenada por Fernando Pessoa).
E ouvimos histórias, que, atualmente, achamos improváveis, como a de uma senhora do Porto, casada e muito rica, que se apaixonou pelo motorista. Foi-lhe feita uma perícia, a pedido do marido, sendo-lhe diagnosticada uma estranha "loucura lúcida", pelo que foi internada quase até ao final da sua vida, vendo ser-lhe retirada toda a fortuna. 
E muitas outras pessoas, ditas anónimas, das quais ficaram retratos que são conservados. Como são os instrumentos antigos, os livros da bela Biblioteca, isto é, todas as memórias de uma Instituição que estima o seu Património - humano e material.

Vimos doentes que estavam sentados, sozinhos ou acompanhados; que conversavam ou que pareciam ensimesmados;  que passeavam ou que passavam velozes, pelas alamedas.
Perante um grupo grande de jovens, acompanhados de professoras, alguns aproximavam-se. E sorriam. E piscavam um olho. E diziam que as raparigas eram bonitas. E elas respondiam também com um sorriso, porque todos sabiam que deviam comunicar de forma normal com quem não é considerado assim. Felizmente, todos os alunos eram inteligentes, educados e simpáticos.



E todos buscam a luz de que todos precisamos. Não "nós" e "eles", mas "NÓS", como foi recorrentemente referido ao longo da visita.
Na Oficina de Lavores, perto do campo onde existem hortas,  uma bela e atenta monitora ensinava a fazer trabalhos manuais. Muitos deles serão expostos no início de dezembro,  numa venda de Natal, aberta ao exterior. Porém, um tapete de arraiolos, disse o bordador, era para oferecer à mãe. "O meu trabalho é uma toalha de chá" - dizia uma senhora, mostrando-a com modesto orgulho. Oh, caiu-me uma malha (era uma tira para uma colcha quentinha de lã) - disse outra senhora, com pena da imperfeição que parecia não querer.

Ah! Na entrada principal, vi também o sr Abreu, um dos principais atores do filme que passou recentemente nas salas de cinema e cuja ação decorre no Hospital. Disse-lhe que estava a reconhecê-lo e que tinha gostado muito de ver o seu trabalho. Abriu um sorriso de prazer e falou do seu gosto e capacidade para a representação. Daí a pouco, iria para o ensaio do grupo de Teatro. Seria num espaço onde os visitantes tinham passado, numa sala com retratos de pessoas que ficaram na história da cidade e do país. Havia cadeiras junto ao palco, ainda vazio.
Perto da sala do Teatro, de uma janela, vimos a capela, que -  disse-nos a nossa anfitriã - tem missa ao sábado às 17 h, aberta a todos, acrescentando que são ótimas as condições acústicas e que os pacientes gostam muito de ver pessoas de "fora".
 E, à saída, depois dos agradecimentos e despedidas, víamos melhor que até as camélias do jardim são todas  diferentes, não deixando nenhuma de ser flor!

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Os 90.000 (e não só) no Expresso Curto

"Recuso-me a alinhar no coro de indignação. Mas não deixa de ser surpreendente a notícia, divulgada pela TVI, de que Ricardo Salgado verá a sua pensão aumentada para o triplo. Passa de 29 mil euros mensais para 90 mil. A decisão da sociedade gestora do fundo de pensões do BES, dirigida por José Almaça, implica retroativos no valor de cerca de um milhão de euros. A medida beneficia ainda outros gestores do BES como José Manuel Espírito Santo e José Maria Ricciardi. A SIC Notícias acrescentou que a caução de Ricardo Salgado, outrora de três milhões de euros, terá sido reduzida para metade. Os pedidos da defesa, em parte aceites pelo juiz Carlos Alexandre, permitem ao antigo líder do BES pagar (só) 1,5 milhões de euros para ficar em liberdade. Rir é o melhor remédio."
 Miguel Cadete 
  

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

90 mil euros por mês?



Acabo der ouvir num telejornal - uma notícia TVI, disse o jornalista - que Ricardo Salgado vai passar a ganhar 90 mil euros por mês.
E agora digo eu: e vai rir-se cada vez mais dos portugueses, achando-os, por certo, uns parolos e uns imbecis porque a grande maioria nem uma parte do que ele vai ganhar num mês é capaz de amealhar durante toda uma vida.
Nem tem amigos como ele, desde presidentes da República, candidatos a Presidentes da República, ministros da República, Conselheiros da República, empresários, jornalistas, dentro e fora da sua família... Tudo gente bem comportada que se cala porque quem se manifesta é arruaceiro e eles são defensores dos bons e brandos costumes.
O nosso país é fraco em relação aos corruptos. Quanto mais refinados são, como Ricardo Salgado, de mais benesses usufruem.
E logo penso: e os jovens, que lição tiram disto tudo?
Pode haver discursos sobre as novas gerações, podem usar-se as mais belas citações, mas o que fica são estes maus exemplos e um país que fala, fala, fala, mas permite estes gritantes desaforos. No dia em que, mais uma vez, os "Lesados do BES" vieram para a rua porque continuam a não ver o seu dinheiro, torna-se público um salário escandaloso, uma vez que premeia um dos homens que muito mal fez ao país.
E o pior é o triste desamparo de milhões de portugueses pela escassez de bons exemplos a nível social e político.
Se eu fosse bem mais nova, emigrava - para não ter de levar com tantos sorrisos cínicos que tanto prejudicam o país e se arvoram em modelos patrióticos, pondo máscara em cima de máscara.
E os jovens? Volto a perguntar. Talvez pelo estado a que chegou o país, nem querem ouvir falar destas coisas, preferindo os jogos de computador.
Eles, tantas vezes desmotivados, continuarão a jogar sozinhos nos seus quartos ou à noite entre colegas; os velhos corruptos, esses continuarão a desenvolver outros jogos de forma cada vez mais hábil, porque aprenderam e ensinaram que assim se podem ganhar facilmente 90 mil euros por mês.




terça-feira, 3 de novembro de 2015

Uma aventura no onze...



Resultado de imagem para Autocarros da Gondomarense - nº 11
              Este conto foi escrito, no ano transato, por uma aluna da ESG que participou do concurso "Uma história com números dentro".
Parabéns à autora e à professora que a motivou.

Não te esqueças, Lara, que este ano o tema é 
"Uma história com música dentro"!


     Na minha pequena cidade (como em muitas outras) os autocarros são identificados por um número. E é assim que as pessoas os nomeiam. “ Vou apanhar o treze; o duzentos nunca mais chega; por favor, pode dizer-me se o seiscentos e um já passou?”. 
     Mas o autocarro número onze é especial. É nele que eu faço as minhas viagens para a escola. É nele que eu ponho a conversa em dia com os meus amigos, especialmente com a Cláudia, que viaja sempre comigo. É nele que fico a par de tudo o que se passa à minha volta. É nele que me divirto, ouvindo e contando anedotas. É nele que, às vezes, também choro, quando sei de alguma notícia mais triste. Enfim, uma parte da minha vida é aqui passada.
       O onze parte todos os dias às 7:50 de Gens e chega ao Souto por volta das 8:25 da manhã. Este autocarro, que todos os dias é conduzido pelo Sr. Carlos, já faz parte do meu quotidiano e do das pessoas que viajam nele. As conversas são sempre as mesmas. Os senhores vão à frente na converseta com o senhor Carlos, sobre o Benfica; as senhoras costumam sentar-se a meio do autocarro e geralmente falam sobre a vida dos seus vizinhos; os jovens vêm sempre atrás a ouvir as suas músicas e falar sobre as novidades do Facebook. E, assim, todos os dias vai correndo a nossa viagem.
         Naquela manhã fria de Inverno, eu e a minha amiga Cláudia seguíamos, como habitualmente, no nosso autocarro. Junto ao Sr. Carlos, os homens discutiam o último jogo do Benfica: se tinha sido penálti ou não, se o árbitro devia ter mostrado o cartão vermelho, enfim, aquelas discussões depois de um jogo e que não levam a conclusão nenhuma; a meio do autocarro, as senhoras tagarelavam e punham toda a gente ao corrente das zangas das vizinhas, dos arrufos das comadres… Lá atrás, alheias a todas estas conversas, eu e a Cláudia  falávamos da escola, dos amigos, das novidades que circulavam nas redes socias…
         De repente sentimos que algo estava a perturbar o percurso habitual do onze. Pensámos que teria a ver com alguma discussão mais acesa. Primeiro, ouvimos um barulho muito estranho, depois o senhor Carlos, muito apressadamente, parou a viatura para ver o que se passava.
      Na cozinha, eu e a Cláudia, como conversávamos animadamente, só demos conta quando já o autocarro tinha parado mesmo. O senhor Carlos viu que o motor estava em chamas e já tinha pedido a toda a gente para sair, mas como nós estávamos tão distraídas, não ouvimos a ordem dada pelo motorista.
          Fumo e mais fumo! Era a única coisa que nós víamos, quando, já tarde, nos inteirámos da situação. Tentámos sair, mas o fumo era tanto que não conseguíamos ver nada para chegar à porta do onze. Já todos os passageiros estavam cá fora, e havia muita gente que se tinha juntado para ver o espetáculo. Eu e a Cláudia estávamos aflitas. Então, um amigo nosso, o Leo, veio ajudar-nos a sair. Mal saímos, uma chama enorme apropriou-se do nosso autocarro. Com tal aparato, fiquei paralisada e não consegui reagir. Entrei completamente em pânico e fui assistida pelos bombeiros.
        Entretanto, a Cláudia já tinha ligado para o meu pai. Ele apareceu pouco depois. Conseguiu acalmar-me e levou-nos a tomar o pequeno-almoço. Já mais calmas, da janela da pastelaria “ Doce Sabor”, víamos uma grande nuvem de fumo, muitos bombeiros e ambulâncias para assistir os passageiros.
       Depois de tudo mais sereno, o meu pai levou-nos à escola. Contámos à nossa turma e aos nossos professores a nossa aventura. Eles acharam engraçado. Claro! Depois de tudo ter passado, até eu achei divertido. Mas com este episódio aprendi que devemos ir atentos ao que se passa à nossa volta. Se não estivéssemos a brincar, não teríamos ficado lá dentro. Correu tudo bem, mas podia não ter sido assim.
        No dia seguinte, eu e a Cláudia apanhámos o onze à mesma hora de sempre. Fomos para a cozinha, como habitualmente. Junto ao Sr. Carlos, os homens discutiam o mesmo jogo do Benfica
(ainda não tinham chegado a nenhuma conclusão sobre o penálti); as mulheres falavam de uma vizinha que tinha deixado o marido; lá atrás eu e a Cláudia conversávamos sobre as novidades do Facebook… Mas a todos estes assuntos acrescentava-se, agora, mais um: a aventura no onze. 

Pseudónimo-LS96
Lara Soares, 11.12