quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Morangos para o pequeno-almoço


Nos anos que antecederam a libertação dos escravos nos Estados Unidos da América, existiam várias rotas de fuga para os escravos que tentavam chegar ao Canadá, onde estariam a salvo. Muitas famílias ajudavam os escravos a esconder-se, alimentando-os e enviando-os para a próxima família da cadeia de solidariedade. Uma lei proibia a ajuda aos escravos e quem o fizesse arriscava-se a ser preso e obrigado a pagar multas avultadas. Mesmo assim, muitos eram os que continuavam a ajudar, e muitos milhares de pessoas conseguiram, desta forma, alcançar a liberdade. Esta é uma de muitas histórias sobre o Underground Railroad que consistia num grupo de pessoas que ajudava os escravos a conseguir a liberdade antes da Guerra Civil Americana. Desta organização faziam parte os Quakers, um grupo religioso originário do cristianismo, com uma forte implantação nos Estados Unidos da América.
Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)
Por volta das cinco e meia de uma manhã de verão no sul do Ohio, a luz já forte do sol acordara Lucinda Wilson, uma rapariga de treze anos. Sentou-se imediatamente e, de seguida, ao sair da cama, lembrou-se: “Os morangos na colina já devem estar prontos para serem colhidos”. Lucinda tinha vindo a observar com ansiedade a colina coberta de morangos silvestres. Era com grande alegria que planeava agora surpreender a família com um cesto cheio de morangos maduros e deliciosos para comerem ao pequeno-almoço.
Vestiu-se rápida mas silenciosamente para não acordar a irmã. Lucinda tinha dormido nessa noite na cama grande, uma vez que a irmã Mary, de dezassete anos, estava a passar alguns dias com uma amiga numa quinta vizinha, e Ruth, de quinze anos, dormia numa pequena alcova no enorme quarto do andar de cima. A casa da família Wilson ficava a alguma distância da estrada principal, e havia um caminho longo e estreito desde o portão até à porta de entrada. Como este caminho parecia demasiado longo, Lucinda decidiu seguir por um atalho em direção à colina dos morangos, que se estendia ao longo da estrada principal. Este atalho, que começava junto à capoeira, era praticamente invisível devido ao crescimento emaranhado dos arbustos.
Lucinda correu até à rua e começou a subir a colina. Ali estavam os morangos, vermelhos e deliciosos. Começou a colhê-los rapidamente, mas o fundo do cesto não estava ainda coberto quando ouviu uma voz a chamá-la da estrada principal.
Sobressaltada, olhou para baixo e viu dois homens a cavalo. Não os conhecia e a sua primeira reação foi de alerta, pois a sua casa pertencia ao Underground Railroad. Estava certa de que estes homens eram caçadores de escravos. No momento seguinte, Lucinda viu que tinha razão. O homem que a chamara, de tez morena e mal-humorado, voltou a dirigir-lhe a palavra:
— Viste duas raparigas negras a passar por aqui? Duas raparigas de dezassete ou dezoito anos? Temos a certeza de que elas levam apenas alguns minutos de avanço.
Lucinda acenou com a cabeça. Respondeu-lhes honestamente que tinha chegado nesse instante e que não tinha visto ninguém para além deles. Os cavaleiros seguiram caminho. Mas Lucinda não pensou mais nos morangos. Tinha a certeza de que as duas raparigas iriam para sua casa e de que aqueles homens as apanhariam mesmo à sua porta, a não ser que conseguisse avisá-las antes. Discretamente, olhou para os caçadores de escravos para se certificar de que nenhum deles estava a olhar para trás. Então, precipitou-se para a estrada e desatou a correr para casa.
Em poucos instantes, estava no terreiro da quinta e entrou em casa de rompante. Mal abriu a porta das traseiras, ouviu a voz da mãe na parte da frente da casa. As raparigas já lá estavam, e os homens chegariam dentro de breves instantes. Sem fôlego, foi ter com a mãe e as raparigas ao vestíbulo. A porta ainda estava aberta.
— Fechem a porta! Fechem a porta rapidamente! Eles vêm aí! — disse, ofegante.
No momento em que proferia estas palavras, viu um cavalo a aparecer. A mãe fechou a porta, trancou-a e olhou desesperadamente em volta, à procura de um esconderijo para as duas raparigas. Estas choravam apavoradas, pois tinham a certeza de que seriam arrastadas de volta e de que nunca mais seriam livres.
— Rápido! Vão lá para cima! — disse Emily Wilson.
Correram pelas escadas acima e entraram no quarto onde Ruth já estava a vestir-se. Esta, espantada, olhou para as quatro pessoas que tinham entrado de rompante.
— Lucinda, veste a camisa de noite, põe a touca e mete-te na cama outra vez — disse a mãe.
A mãe pegou nas roupas de Mary que estavam debaixo da almofada, e atirou-as a uma das fugitivas.
— Veste isto e deita-te na cama com a minha filha. Fica do lado da parede, de costas para a porta. Cobre bem a cara com a touca.
As raparigas obedeceram imediatamente, e Emily Wilson levantou a tampa de uma arca grande feita de verga, que estava encostada à parede. Felizmente, estava quase vazia.
— Mete-te aí dentro — disse ela à outra rapariga, que obedeceu de imediato e se encolheu de modo a que a arca pudesse ser fechada.
Fez-se ouvir uma forte pancada na porta da frente.
— Ruth, veste o roupão, senta-te em cima da arca e tapa-a o mais possível. Os caçadores de escravos estão quase a chegar.
A mãe olhou de relance o quarto, para se certificar de que não havia indícios da presença das raparigas negras, e apressou-se a descer as escadas para abrir a porta.
— Bom dia, minha senhora! Nós andamos à procura das duas escravas que estão aqui — disse um dos homens.
— A sério!? Como sabe que temos duas escravas aqui escondidas? — retorquiu ela.
— Porque estávamos mesmo no seu encalço e temos a certeza de que não passaram daqui. Por isso, vai ter de nos deixar revistar a casa.
— Estejam à vontade! Mas garanto-vos que vai ser uma perda de tempo.
— Veremos! — respondeu o homem.
Começaram a revistar todas as divisões da casa. Emily Wilson deixou-os abrir as portas e procurar à vontade até chegarem ao quarto das raparigas. Aí, pôs-se à frente deles.
— As minhas três filhas dormem aqui e ainda é muito cedo. Peço-lhes que não entrem no quarto.
— Podem estar tanto aqui como em qualquer outro lugar — disse um dos homens. De seguida, abriu a porta e entrou.
Ali estavam as três raparigas, duas na cama, tapadas até às orelhas, a outra sentada sobre a arca, de roupão, como se tivesse sido apanhada de surpresa. No entanto, lá dentro, a fugitiva aterrorizada tremia de tal modo que Ruth tinha a impressão de que os homens deviam ver a arca a abanar. Sentou-se o mais pesado que conseguiu e cobriu a arca com o roupão. Um pouco embaraçados, os homens deram uma vista de olhos rápida pelo quarto, abriram o guarda-vestidos e, como não encontrassem nada, saíram novamente, balbuciando um pedido de desculpas.
— Bem — disse um deles quando saíram do último quarto — parece que aquelas raparigas, afinal, já passaram por aqui. É melhor apressarmo-nos e talvez ainda as possamos apanhar.
— Eu avisei-os de que seria uma perda de tempo — disse Emily Wilson calmamente.
De forma hospitaleira, ofereceu-lhes o pequeno-almoço, o que eles recusaram de imediato, pois estavam com pressa. Partiram a cavalo, e só então as raparigas sentiram-se livres para poderem sair dos seus esconderijos.
— Ainda bem que decidi ir apanhar morangos para o pequeno-almoço. Ainda há tempo de voltar lá e encher o meu cesto. Afinal, vamos mesmo ter morangos para o pequeno-almoço! — disse Lucinda.
As duas raparigas ficaram tranquilamente em casa durante todo o dia. De madrugada, uma carroça coberta levou-as para outra casa de Quakers. Daqui, sem grandes riscos, foram levadas no dia seguinte, pois soube-se que os dois caçadores de escravos tinham perdido o seu rasto e declararam que as duas escravas fugitivas haviam desaparecido.

Anna Curtis 
M. Clark; E. Briggs; C. Passmore (eds.)
Lighting Candles in the Dark
Philadelphia, FGC, 2001
(Tradução e adaptação)

Natal? Já?!



Há dias ouvi, enquanto tomava um café num cafezinho onde todos se conhecem ou são familiares: "depois do Rosário, chega logo o inverno".

O Rosário (Festa da Nossa Senhora do Rosário e Feira das Nozes, em S. Cosme - Gondomar) é sempre no primeiro domingo de outubro.

No final do mês de agosto, habitualmente, o pavilhão das farturas Couto instala-se no largo do Souto, parecendo açucarar o fim do verão.

Se assim é, não será tão descabido assim ir pensando nos presentes de Natal. Comecei pelos adornos de algumas prendas que tentarei fazer eu própria. Embora sejam simples, sempre são mais personalizadas e evitam-se as filas, as pressas, o mais do mesmo...

Embalada pela ideia, ia desejar bom Natal! Meu Deus! Ainda há tanto a fazer daqui até lá! Para além dos presentes, é claro!

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Remédio?



“Quer sarar uma ferida? Escreva!”

Li há dias, na revista do Expresso, um pequeno texto, assinado por José Cardoso,  com o título: “Quer sarar uma ferida? Escreva!” O texto dá conta de uma investigação, realizada numa Universidade da Nova Zelândia, que permitiu chegar a resultados como este: “além das feridas emocionais, escrever também pode ajudar a curar feridas físicas”.

Lembrei-me também de ter ouvido, numa entrevista com Patrícia Reis (de quem ainda não li nada, mas que quero ler), a escritora dizer que escrevia por necessidade emocional e que só assim sentia equilíbrio. Muitos escritores reafirmam a mesma solicitação vital.

E tal não se passa só com quem publica livros. Para os seres comuns, nos quais me incluo, escrever pode ser um modo de se aceder a uma maior harmonia pessoal que poderá também repercutir-se em quem está à nossa volta.

Num tempo em que tantas coisas nos são retiradas retiradas, se encontrarmos maneiras práticas de nos sentirmos melhor, talvez seja uma boa opção. 

Escrever será, então, uma delas. E como também vale para o corpo e para a alma, tanto melhor.


Banana e maçã



Gira, girassol!


sábado, 17 de agosto de 2013

Impressões sobre um filme

Fui ver “Gaiola dourada” e gostei do que vi e ouvi. É um filme bem disposto.

O título, francamente, não me agrada muito, mas, apesar de ser importante, não é o essencial.

Já muito se terá dito sobre o filme, o que facilita a vida a quem não é crítico/a de cinema. Assim sendo, refiro alguns aspetos que me ficaram.

Gostei particularmente das personagens representadas por Rita Blanco e Maria Vieira. A primeira mostra a dedicação à profissão de porteira, em França, assumida com amorosa verdade e dignidade. A segunda é a presença cómica que quase sempre existe nos grandes grupos. A porteira revela mais sensatez, apesar de alguns exageros como no jantar que oferece aos pais do futuro genro, francês, apresentando-se de vestido comprido e servindo requintado prato que a ninguém apetecia.  Rosa (Maria Vieira) é o nosso lado brejeiro, a alegre topa-a-tudo que torna coloridos e desenrascados os ambientes.

Achei pertinente a inclusão no filme de confusões que se fazem quando não se conhece bem a localização geográfica do país e se tem apenas uma noção vaga de factos culturais ou históricos. A francesa, mulher do patrão de José (Joaquim de Almeida), marido de Maria, diz palavras em espanhol, querendo ser simpática e mostrar que conhecia a língua portuguesa; oferece túlipas aos pais da futura nora, julgando serem as flores da Revolução de Abril…

A vozearia no convívio dos portugueses, em grupo, incluindo palavras da língua materna em frases ditas em francês será um bom retrato de uma comunidade que vive muitos dos problemas e alegrias em comum. Até uma prodigiosa herança que marcará o regresso a Portugal, depois de muitas peripécias e dúvidas, porque também no país de acolhimento se criam raízes.

Confesso que nunca imaginaria o final da história numa belíssima quinta do Douro com paisagens de fazer parar o olhar por socalcos e meandros impossíveis de desenhar.

Acabado o filme, recebi até ao fim a música sempre encantatória de Rodrigo Leão.

Era notório que havia muitos emigrantes na sala – pelos comentários que se ouviam. Não sei, porém, se eram eles que se riam mais ao longo do filme. Um happy-end assim não seria nada mau, embora, para muitos, só seja visível num mágico ecrã.

Gostei da dedicatória do realizador (Ruben Alves): À mes parents.

Cartaz do Filme

“Meu querido mês de agosto”




Cada vez me convenço mais de uma coisa simples: muitos prazeres estão nas coisas simples e, sem eles, a vida perderia muito do seu encanto.  O mês de agosto (quando se pode ter férias, é claro!) pode ser um tempo luminoso: estar mais disponível para ouvir e falar; fazer caminhadas na areia molhada; saborear um arroz de peixe ou sardinhas na brasa; ler um livro, captando melhor os pormenores da história e dos afetos; olhar a natureza com mais atenção; partilhar energias e vontade de ser e fazer cada vez melhor…


Há dias, vi uma senhora numa esplanada. Já a conheço há bastantes anos. É umas das presenças frequentes do (meu) verão à beira-mar. Ela gosta muito de falar. De um ano para o outro, vão-se contando as novidades. Sentada à mesa da esplanada, apenas sorria a quem passava – para que a pessoa com quem ela estava pudesse continuar a ler o livro. Não sei se estou a ser demasiado crente, mas vi no gesto uma prova de amor (se calhar, estou influenciada por um livro que ando a ler de Valter Hugo-Mãe).

Observar muito do que se passa à nossa volta também dá cor aos dias, tornando-os ainda mais visíveis.


Não acredito que se possa ser constantemente feliz, mas que bom é viver momentos felizes. Em agosto (quando é possível ter férias, volto eu a dizer), se tal acontece, apetece mesmo dizer: “Meu querido mês de agosto”!







 

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Cores de (um) fim de tarde




quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Sete versus dezassete



Hoje, fui à escola para ver os resultados dos meus alunos do 12º ano que fizeram o exame da 2ª fase.

Fiquei contente, porque quase todos subiram a nota a Português. Digo “quase todos” porque um pequeno grupo não o conseguiu, apesar de dele fazerem parte alunos exemplares pelo estudo, pela atenção na aula, pela participação, pela atenção constante aos trabalhos escolares…

Quando assim é, temos pena, claro que temos pena e, em muitos casos, pode afirmar-se: ele/ela sabia para mais. No entanto, esse desabafo de pouco vale e o que conta mesmo é a nota que consta da pauta.

Também me prendeu a atenção o caso de um aluno que tinha tirado sete valores na primeira fase e, no exame de julho, obteve dezassete valores. Voltei a olhar. Acompanhei a linha com a ponta do dedo para confirmar que não havia engano.

Ocorreram-me, então, algumas questões:
- O que testam os exames?
- O que faz com que um aluno consiga subir dez valores de uma prova para outra, se se reitera que o grau de dificuldade das provas é idêntico?
- Na classificação das provas, interfere também o trabalho do corretor?

A prova da primeira fase continha, pelo menos, duas questões cuja formulação era ambígua. Na segunda fase, tal não ocorreu, de facto, mas continuou-se com a prática de o exame abordar apenas dois conteúdos literários quando são lecionados, ao longo do ano, mais do triplo.
O tema da composição, nesta segunda fase, era a “Fraternidade no mundo atual”. Embora pertinente, e também do ponto de vista formativo, é um tema que, apresentado deste modo, leva/levou, facilmente, à redação de textos de notória superficialidade.

Como professora, fiquei contente com algumas classificações e, neste caso, com o dezassete. Mas, se o aluno teve agora dezassete valores, por que razão só conseguiu sete na primeira fase, realizada no período de mais ou menos um mês?
Oxalá tenha sido porque houve mais estudo - sem a interferência da sorte ou do azar.